sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Epidemia

Meus olhos abriram aquela noite sem sentido. Olhei para cima e via a sombra do ventilador de teto que deixara ligado antes de dormir, para espantar os mosquitos. Estava há quilômetros de distância da cidade. O único som que eu escutava era o coachar de um único sapo abaixo da janela. O breu cobria minha visão, mas nele eu descobria todas as outras coisas. Lancei um olhar acolhedor para o escuro, que me traiu. Enviou-me um vento frio pela brecha da janela, e um sopro de dor da ventania nas árvores. Cobri-me com mais cobertas. Sussurrei de fininho “Tem alguém aí?” assustada. Mas seria impossível qualquer resposta. E aí até perguntei-me se me assustava o fato de que poderia ter alguém ali, ou o fato de não haver ninguém. Difícil escolher entre ausência e presença. Estava eu ali, sozinha, completava um ano inteiro. Dormindo todos os dias naquele quarto escuro, à luz de velas que eu arranjei antes da viagem. Meu laptop ao lado, para esboçar algumas palavras. Se nada sobrar do meu corpo, que pelo menos alguns escritos comprovem a minha existência.
Por que viajei? Essa pergunta me assombrava a toda hora. Sei bem que o que me trouxe aqui foi a epidemia. Não podia mais observar o sofrimento alheio, pois aos poucos fui deixando-me enfraquecer. Não pagaria psicólogo algum pra descobrir em mim uma doença óbvia. Não tomaria remédios. “O mundo contamina”?. Está bem. Sairei então disso que chamam de mundo. Me afastei então da sociedade. Essa depressão passeia devagar por todos nós. Fazendo-nos pensar em ideias inventadas e conceitos cheios de valor. Não quero valor. Quero só existir de longe. Minha cabeça e até onde ela pode ir é a única coisa que me fascina. Nunca meditei, nunca participei de ritual algum. Minha onda é com minha mente ativa. À loucura. Conversar sozinha é meu maior prazer.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Aquário.

Quando criança, ela gostava de imaginar que vivia dentro do globo. Na verdade, as manchas azuis dos globos terrestres da escola eram céu, e não mar. O tempo foi passando, e aos poucos parou de esconder-se dentro de uma bola limitada e pôs-se a aprender a se equilibrar com a gravidade. Tinha coisa além do céu. Descobriu que na verdade vivíamos soltos. E que alguns homens de longe já tinham escapado da gravidade. Então foi perdendo em si a capacidade de enxergar limites bem estabelecidos, já que, ao que parece, estamos sempre tentando ultrapassa-los. Conseguimos ver o planeta circular, e conseguimos ir à lua, e conseguimos uma maneira de comprar cerveja aos dezesseis.
O único limite do qual nunca poderia escapar era si mesma. E observando o peixinho dourado no seu quarto, percebeu que toda sua prepotência é a sua forma de bater a cara num vidro transparente e aparentemente infinito, e enxergar apenas seu próprio reflexo.

Falta descobrir por onde é que o oxigênio entra nesse aquário.

sábado, 11 de dezembro de 2010

A minha pornografia.

Eu quero te explicar a reviravolta que trás contigo e confunde meus sentidos. Consigo entender os nossos olhos fechados durante o beijo. Teus lábios fazem crescer em mim um outro estágio. Posso agora acreditar que fecho os olhos e não sonho mais sozinho. Posso imaginar você comigo percorrendo o espaço. E confundir mente e corpo. Oceano e saliva. Posso abraçar sua cintura, e leva-la comigo para o alto, no topo de uma escada camuflada no ar.
A visão não faz mais sentido. Não compartilhamos mais um mundo que precisa ser visto. O mundo é que compartilha nosso momento. Ou nem isso. O mundo nos reserva privacidade. Nem o mais belo tom de vermelho de uma tulipa solitária na neve. Nem um floco dessa neve. Nem seu olhar coberto, nem o meu. Nada vem nos interromper. Estamos no ar, no espaço, nas estrelas. No infinito.
E estamos sendo assistidos. Porque não há nada mais belo de se observar do que uma performance envolta de amor.

domingo, 28 de novembro de 2010

Aquarela

Melhor do que conhecer a verdade, é acreditar na mentira. Ou ver coisas incertas e falar que assim é direito. Ver sua cidade em preto em branco sem sentir melancolia. Porque às vezes tentamos enxergar as cores com tanta intensidade, que nos cega os olhos. E melhor seria o mundo deixado pra nós que coloríssemos.
Um sorriso em tom de vermelho aqui. Um olhar em amarelo claro ao lado. Um céu cor de rosa. Depois fechar os olhos. Tudo preto. Quando abrir, mudar as cores, compor texturas, acrescentar um traço. Molhar o pincel outra vez. E outra.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

13 anos.

Na porta da escola já me dizem coisas de política. Repetem o que escutam em casa, e eu quieto. Pra mim é bem mais sério pensar que o mundo vai, sim, um dia acabar. E eu nem sei o que me dá mais medo. O mundo acabar, ou saber que isso quer dizer que eu também vou desaparecer?

Alguns anos atrás, eu não entendia que as coisas se acabavam. A validade da manteiga passava e eu continuava no meu mundo imaginário dentro do meu quarto. E lá eu podia ser rei. Minhas histórias só acabavam quando eu as dava um fim. O melhor de tudo é que mesmo quando minha mãe me interrompia pra qualquer coisa chata, eu podia só continuar depois de onde eu tinha parado... Hoje em dia é difícil fazer isso. Ainda sou muito novo, mas já aprendi várias coisas da vida. Não posso jogar lixo no chão. Devo dar dois beijinhos, um em cada bochecha, para cumprimentar alguém. Tenho que ouvir o despertador.

Preciso pedir ajuda quando eu precisar. E melhor será se ela não for necessária com frequência. Pois ajudar não é uma coisa que interesse muito as outras pessoas. Mas ao mesmo tempo é terrivelmente indelicado recusar um pedido de ajuda. E a verdade é que tá todo mundo gritando por ela. Sim. Vejo na minha irmazinha, por exemplo. Ela tem 4 anos e nem sempre sabe explicar o que quer. Então ela grita e chora até que alguém consiga entendê-la. Às vezes ela joga um brinquedo no chão, cospe a comida para fora... Enfim, ela sabe pedir ajuda sem saber dizer no quê - É claro, tão pequenininha, nem sabe brincar de lego comigo, ainda - Mas o que eu já entendi é que ela não vai parar de fazer isso nunca. Até minha mãe já gritou comigo sem motivo. Ou pelo menos não deixou que eu entendesse. Fala sério e com sinceridade, mas não conseguiu me fazer enxergar o que quer; porque racionalmente pareceria tão pequeno... - Não é muito diferente do que minha irmazinha faz - Eu sei bem que todo o drama não é só pelas minhas roupas largadas na cama. Isso é só uma desculpa. Um dia cheguei irritado da escola, porque minha professora disse que meu trabalho não tinha ficado legal. Quando cheguei em casa, bati a porta do quarto, pensando só em declarar minha raiva a todos. Ninguém gostou nada disso. Mas foi só meu jeito de pedir ajuda ou colo sem ninguém que pudesse me entender.

Uma rejeição é muito difícil de superar. Tem mil maneiras e minha mãe já me disse várias. Mas ela mesma vive repetindo no intervalo de suas próprias frases “É muito difícil”. Se já é difícil pra ela, aos poucos vou perdendo as esperanças de que um dia eu vá saber como lidar. Assim, vou entendendo que essa minha solidão e minhas angústias são pra sempre. E acho que é por isso que meus vampiros imaginários não vêm mais me visitar pela mente. Eu tenho problemas maiores, agora que descobri os vilões do meu próprio mundo.

E tenho tanto medo, que é difícil dormir. Mamãe disse que não é certo ter insônia aos 13 anos - E seria “certo” ter insônia aos 30? Depois de tantos anos, aí seria normal descobrir que não se aprende nada com a vida? - Que eu sou muito novo e preciso parar de sonhar que invadem minha casa. Que eu não posso mais beber refrigerante antes de dormir. Que eu tenho que desligar a TV mais cedo. E é tão engraçado... Porque normalmente ela vem me dizer essas coisas quando por acaso ela também não consegue dormir. Dá vontade de dizer “Desculpa, mamãe, me perdoa mesmo, mas eu já conheci um pedaço triste do mundo e só falta agora aprender a mentir com um sorriso no rosto assim como o seu.”

Mas eu consigo entender. Se minha irmazinha começasse a reclamar do mundo, eu também gostaria de me imaginar capaz de ensinar feitiços que pudessem ajudar. Esperando que talvez ela tivesse mais sorte que eu.

sábado, 13 de novembro de 2010

Vários e curtos.

Me dá um beijo. Senta perto de mim e vem me consolar. Você me dizia assim com olhar carente. Eu te abraçava, e suas dores fingiam passar. E o nosso olhar. Outras vezes vi-me ao lado de outra. Tomando banho na banheira. E assistia jogos de futebol sozinho no quarto, aos sábados. E outras vezes minha mãe me chamava para o teatro. Já conversei sobre coisas amenas com meu melhor amigo. Já, já chorei na sua frente. Castelinhos de areia. Me molhei inteiro a caminho da parada de ônibus, debaixo de chuva.. E cheguei em casa ensopado. Molhei o piso. Esqueci a capa de chuva. Cantei no banho. Você rindo de mim na sala. A televisão ligada. Em tédio, liguei pra você, por engano. Vi-me errado. Chorei de solidão, de carência. Nunca mais nada seria normal para mim, nunca mais minha vida e meu cotidiano voltaria a fazer sentido. Mas em 20 dias esquecerei você. E depois lá estou eu, bravo, no trabalho. Saudade. Passageira. Passeei na Urca. E resolvi viajar. E desisti. E me apaixonei na praia por uma moça de biquíni amarelo. E ela sorriu pra mim. E quando dei por mim, estava eu com 5 anos. Visitando minha mãe no hospital. Minha tia morreu. Eu não pude entender. Viajei certa vez. Fui até a Itália e transei com uma menina linda. Meu primeiro amor. E aqui hoje me vejo casado. Espero o segundo filho. Divórcio. Meu aniversário de 10 anos. Eu no pula-pula. Você pequenininha, na foto. Meus irmãos saíram de casa. Me sentia sozinho. Novos videogames. Muitas espinhas; eu garoto. Jogar futebol na rua. Correr para a faculdade. Estudar na madrugada. Vida, vida que passa. Passa tão mais rápido agora... Em alguns poucos minutos, tudo que passei por 30 anos aparece na minha frente. Percebo que estou pra morrer. Sempre estive. E eu fecho os olhos e 3, 2, 1...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Inevitável?

Que tempo louco é esse? Eram nove horas da noite a primeira vez que te vi. O céu estava nublado, sem estrelas no céu. Em curtos intervalos de tempo, era tomado por clarões de raios que avisavam a chuva que estava perto. E já esperávamos tempestade. Num bar de Brasília, depois da seca, todo mundo comemorava a água que ia cair. E você ali com olhar novo, de quem vê tudo isso pela primeira vez.
Busquei uma cadeira na mesa vizinha, e sentei-me na ponta da mesa. Todos me cumprimentaram sorrindo. Alguns sorrisos já encharcados de cerveja. E eu com sede. O cigarro atenuava minha garganta seca. E cumprimentei a todos. Já conhecia seu nome. Alice. E lhe entreguei um sorriso e um aceno de mão. Você sorriu-me mais alto, quase um riso, e falou algumas palavras que não pude compreender naquele barulho do bar.
Passavam pessoas entregando panfletos de festas, de peças, e via você recolhendo tudo e guardando na bolsa. Um homem passava vendendo incenso. E você até deixou que uma baiana-personagem-popular pra nós brasilienses, lesse sua sorte. Eu via graça nisso tudo. Quase parecia turista de longe. Mas justamente por não parecer nada disso de fato é que você me chamava atenção. E os assuntos no bar iam mudando. Falamos de política, claro, no ano das eleições. Depois, pedimos pra você nos contar sobre seus anos na Espanha. Luísa te olhava com admiração. Eu não estava muito interessada em suas histórias. Achava interessante mesmo era sua imagem. Que da forma menos supérflua que posso dizer, mexeu comigo. Teus cabelos finos, que caiam abaixo do ombro, com leves voltas-quase-cachos e castanhos. Seus olhos arredondados, escuros e tão bem desenhados. Sua cabeça fina e seu corpo magro. Suas unhas mal-cortadas e sua sobrancelha mal-feita. Estava vestida com um moletom cinza que escondiam curvas, mas que de alguma forma parecia atenuar seu corpo. Era levemente alta e levemente desarrumada do jeito mais harmônico que já vi. E seu jeito de levantar os braços e sorrir a boca eram pra mim como um close num desses filmes que insistem em romantismo texturizado.
Foi difícil depois de tanto tempo, depois de descobrir toda minha fascinação, admitir que na verdade não dava muito ouvidos às suas palavras. Eu não me lembro bem se em algum momento racionalizei meus impulsos. Finjo até hoje que comecei a frequentar sua casa por acaso. Você também age com tudo como coisa natural. Só em seus olhos que guarda aquele brilho da novidade, da surpresa, e do mistério. Preparava-me às vezes comidas diferentes, com temperos fortes. E me fazia uma omelete de café da manhã.
Adorava sua casa com seu chão de pedra e móveis de madeira. Seu quarto que não tinha nada além de malas espalhadas no chão e sua cama, a qual ficou íntima de mim também. E passava horas lendo-me poesias e apresentando-me músicas. E passávamos horas de amor com corpo e vontade sem falta. Nossas histórias escondidas. E quando seus olhos batiam nos meus. -Que frio que me dá o encontro desse olhar...- Tinha vontade de apertar-te a mim e eternizar nossos encontros.

Mas aí vem o tempo, que já estava de novo perdendo a umidade. E naquela seca de Brasília, o tempo continuou passando. E como sempre, não conseguimos vê-lo chegar, não conseguimos vê-lo passar. Ou fomos nós que passamos por ele. Quando abrimos os olhos, ele já estava longe de nós. Não há lugar que possamos ir para nos esconder do tempo. Mesmo que suas malas estivessem ali já preparadas...
"O tempo mastiga, mastiga... E somos nós que estamos no meio de seus dentes."

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vazios.

Chegou. Aquele momento terrível. Repetido e conhecido. Na cama, avassalador. Aos poucos, meus olhos ficavam marejados de lágrimas. E não sabia de nada. Não sabia por que chorar. Mas principalmente, não existia motivo algum para sorrir. E eu precisava sentir. Qualquer coisa, qualquer uma. E segurava minha mão em meu corpo. E aos poucos ia soltando gemidos de dor de desgosto. De tudo, com tudo, para todos. E queria largar sua mão. E todas as outras mãos que tentam encontrar a minha, no escuro. Terrível. Não via nada. E me perguntava se algum dia já havia acendido a luz.
Aqui não existem janelas. A luz do sol não bate em mim. Mas o pior é que não há brisa, não há por onde bem respirar. E meus cigarros não ajudam. Por isso gostava tanto de sua boca ao lado do meu pescoço, e seu ar novo que trazia pra cá. Mas isso é desimportante. Não sofro de amor. Sofro de vazios. E tantos. E muitos. Continuo chorando e, prestes a adormecer, lembro dos meus sonhos na noite passada. E quero ali mergulhar. Mas quero me perder por lá, também. Essa cidade não me abraça mais. Não quero fazer parte daqui. Agora não. Brasília tem essa coisa ruim de inspirar solidão. Amanhã, amanhã sempre se tem muito a fazer. Muito a entender, aprender, sei lá. Mas amanhã não quero acordar. Quero lembrar de você, da nossa viagem. Nós, na Lagoa. No natal, lembra? Espero que sim... Porque foram as melhores férias que tive. E provavelmente, nesse meu mundo dos sonhos, vou encontrar seus amigos, e sua família, e vou encontrar quem te perturba. E vou mergulhar-me na sua vida.
Não sei bem se é isso que quero, apesar de tudo. Talvez, quem sabe, seja melhor manter-me alerta. Acordada. E ficar aqui sem te ver, sem você por perto. Nem sei se existe. Mas amanhã, ah! Amanhã tenho muitas coisas a fazer. E eu sei bem como tudo acontece. Sei bem que acordarei sem querer. E fecharei os olhos, e vou te dar novo abraço. E sairei de lá com o despertador tocando pela décima e última vez. E aí fecharia os olhos de novo, e dessa vez pediria que você me abraçasse. E enquanto estou lá, esperando, vem você de verdade, me cutucando na cama. Mandando-me levantar. E eu obedeço. E você vai embora. E eu ando inconsolável... Porque nem em sonho me abraçou? E decidi aí que não vou mais dormir. Pra não ter que encarar você.
E eu achava que tinha tudo acabado, que eu já estava certa. Mas aí você chega de novo do lado da cama. Me olha com olhos sutis. E diz pra mim "Vou embora". E aí tudo gira de novo. E aí eu choro outra vez. Inconsolável, inconsolável. Foi só aí que lembrei de você. E talvez eu é que estivesse abraçando a pessoa errada. Uma espécie de você que só vive dentro de mim. E entendi que eu mesma cavava meus próprios buracos. E realidade vazia mais sono vazio, não sabia pra onde ir. E aí lembrei da Lagoa. Vou para lá. Vou caminhar pra perto do mar. E é lá que eu vou mergulhar.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

(Asrev-eciv e) Anna ama Otto.

Siod so arap uortnocne ortnocnesed otnat euq ainomrah a rarbeuq rasuo mes, sotnuj amac an mairatied es e. Olucríc o mairarrecne e etnerf ed mairartnocne es, ía e. Onitsed omsem o arap sotsopo sohnimac. Siod so mavamlaca euq açnaruges asse are e. Olelarap radna siam atnaida oãn e solucríc soa ád es adiv a. Ragul omsem on, amrof reuqlauq ed, ranimret mai euq maidnetne e, ralucric adiv a maibecrep euqrop sotnuj rahnimac me mavapucoerp es oãn. Ortuo od ohnimac o aiuges mu, aid adac. Mavazever e. Ohnimac ortuo on mavanigami es sele, atierid a arap artuo a, adreuqse arap mu, odariv ralho ed e atrop amsem alep, maias odnauq e. Ele avasnep ale, ale avahlo ele otnauqne. Ale avasnep ele, ele avahlo ale otnauqne. Maibas es sam, mavartnocne es oãn serahlo sues. Saditrevni saroh me, ortuo oa mu saledahlo mavaçnal, oirótircse on. Otto e Anna mavahlabart, edadic ad ortnec on oicífide ednarg mu me.


Otto ama Anna.



[O amor deles é real, e bonito. Só um pouco mais difícil de acompanhar.]

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Pianoforte

Ele era um moço rico, com seus 30 anos. Formou-se em medicina como foi pedido. Casou-se com uma mulher direita como haviam encomendado. Mudou-se para a casa ao lado, que lhe fora construída. Continuava a lecionar piano por prazer. Era sua maneira de dividir seu único amor.
Seus alunos não aprendiam mais com Ele as notas musicais. Aprendiam a ver tons de cores pelo mundo através do sol. Coloriam a vida em grandes teatros com sis e mis. Eram já artistas, eram já maduros. Mas em aulas com aquele jovem doutor, sentiam inspiração, e inspiravam. Ele nunca tocou em teatro, reservando noites bem dormidas para o consultório pela manhã. Mas sabia que parte de seus fás e dós percorriam o público de seus artistas formados. Aprender música não teria um fim. E não se sabe se era aluno ou professor quem mais necessitava de tantos rés e lás.
Certo dia, um certo senhor de idade, companheiro de seu pai, bateu à sua porta. De grande família e fama dentro daquela cidadezinha de anos atrás. Sério, disse que precisava de um serviço. Queria aulas para sua filha que completava 20 anos e que mostrou súbito interesse musical depois de voltar da cidade grande. Porém, completamente inexperiente, a pequena, repetia o senhor, com grande afeição paternal. Ele já havia observado a tal menina. Passava horas na praça com outros jovens. Sorria risos largos com outras meninas aparentemente tolas. Ele não ousaria negar o pedido. Primeiramente, não se nega algo àquele senhor. E em segundo lugar, ficou curioso para entender no que aquele interesse musical consistia. Pensava que não iria longe demais. Ao menos, não tão longe quanto Ele costumava ir.
Chegou em seu primeiro dia de aula. A tal menina, batizada Emília, abriu a porta para Ele. Conduziu-o até um pequeno cômodo onde estava isolado um grande piano de cauda. Desculpou-se pela poeira. Disse que desde pequena nunca teve muito apreço pelo instrumento. Até assistir um concerto de Mozart quando foi estudar em São Paulo. Suas mãos tremiam e sua voz oscilava. Provavelmente sabia que o tal moço não costumava aceitar alunos sem preparo. Ela continuava olhando para Ele, esperando que Ele dissesse algo. Ele apenas sentou-se à beirada do piano, soprou levemente sua superfície, posicionou seus dedos sobre as notas, e começou a tocar Allegro Maestoso, em lá menor. Emília continuou de pé ao seu lado, calada. E assim foi, por mais tantas aulas. Ele chegava, tocava pedaços de Mozart, Beethoven e Bach. E ia embora.
Certo dia, Emília resolveu falar algo além do que a boa conduta pedia. Reclamou. Sentou-se em um banquinho ao lado do piano, e disse não entender como ela poderia aprender um instrumento sem nem mesmo tocá-lo. Como sua educação era tamanha, acrescentou que adorava escutá-lo tocar, mas que não era para isso que lhe haviam chamado. Ele levantou-se, e falou para que ela sentasse em seu lugar. Emília obedeceu. Ele acendeu um cigarro. Ela olhava para Ele esperando um novo comando. Ele deu uma volta na sala, aproximou-se dela por trás, e tapou seus olhos com ambas as mãos. "Se não suporta mais me ver tocar, pare de esperar qualquer coisa de mim. Vamos, esqueça o que vês. Coloca as mãos sobre o piano." E assim, vendada, seus dedos longos tocaram as teclas do instrumento. O primeiro contato. Pouco depois, Ele disse que já estava em sua hora de ir, e que só voltaria a dar aulas à jovem na semana seguinte. Enquanto isso, Ele disse, conheça-o melhor. Desligue a luz do quarto, experimente seus sons.
A semana que se passou perturbou ambos. Ele não sabia se aquilo daria certo. E Emília, obediente, só temia que estivesse fazendo algo errado. Um na mente do outro. Os dois duvidosos e incertos. Até que chegou a segunda-feira da próxima semana, e Ele voltou à casa dela. Espantado, dessa vez viu ela sorridente como quem estava ansiosa à sua chegada. Apressaram-se para o pequeno cômodo, sem dizer muitas palavras. Ela posicionou-se à frente do piano, e esboçou um conjunto de 5 notas harmonizadas, sem esperar que Ele lhe desse qualquer ordem. E assim, por muitas aulas seguintes, Ele começou a ensinar o nome de cada nota tocada, mas antes sentida.
Aos poucos, se entendiam. Nenhum deles sentia falta de verbos ou palavras completas. Às vezes, Ele lhe dava lições para cumprir. Subjetivas, como a música era, afinal. Ele levava gravações de piano de partes distantes do mundo, e passavam algumas aulas apenas apreciando-as. Aos poucos, ela já sabia esboçar Fur Elise. Aos poucos, Ele foi deixando que suas mãos tocassem as dela. Depois, já se cumprimentavam diariamente com abraços silenciosos. Deixavam os sons para as cordas percutirem.
Para o desagrado de seus antigos alunos, decidiu joga-los ao mundo. Não precisam mais de mim, repetia Ele. Mas sabia, no fundo, que era Ele quem não precisava mais daquilo. Emília tornara-se sua nova obsessão. E foi desconfiando, devagar, que encontrara um segundo amor. Em algumas aulas, ao som de Chopin, apenas sentavam-se em um sofá que acrescentaram ao quarto. E essas aulas se tornavam cada vez mais constantes. E Ele ousava sentar-se cada vez mais próximo dela.
Alimentaram-se de música e de rotina por anos. Às vezes podia-se notar o som de beijos por cima de uma obra de Debussy. Ele esquecera-se como havia se apaixonado pela música. Ela não sabia se estava apaixonada por Ele. E foi no meio de tantos esquecimentos e incertezas, que as emoções chegaram à flor da pele. Alimentadas pelo som, e demonstradas com o tato. Mas foram os olhos dele que arderam quando a avistou na praça ao lado de um outro homem. Ela parecia infeliz. O homem, contente. E Ele... Bom, Ele preferiu fechar os olhos. E não soube caminhar no dia seguinte até a casa dela.
Talvez ela já imaginasse sua ausência, pois nesse mesmo dia, bateram à sua porta e entregaram um recado em um pedaço de papel para Ele.

"Para ti, que me entregou seu amor.
Sinceramente sinto que meu pai tenha arranjado-me um casamento. Só enviarei essa carta caso você não apareça esta tarde. E se assim tiver acontecido, acredito ser melhor acabarmos com nossas aulas. Agradeço-lhe por tudo que fez por mim. Mas queria explicar-lhe que minha paixão era baseada na tua. E eu esperava que seu amor à música nunca fosse sobreposto. Sua ausência, tenha certeza, me incomoda muito no momento. Mas me incomoda mais não ter aqui comigo teu Amor Maior, teu Primeiro Amor; que eu adorava sentir. Fazia-me arrepiar os pêlos da nuca. E se agora não estás aqui, provavelmente este Amor que era seu antes de mim, já não é mais tão imenso quanto eu gostava de imaginar. Enquanto fomos capazes de compartilha-lo, tudo na minha vida era Seu Som.
Um beijo em Sol Maior.
De sua aluna, Emília."

sábado, 16 de outubro de 2010

É terno.

Amor nosso. Que aparece quando você me toca os cabelos ao ver minha nuca inclinada, pedinte. Quando eu sussurro uma palavra boba em seu ouvido, pra que fique calmo. Está ali, quando seus olhos batem nos meus. Quando te levo a conhecer aquela peça de teatro que eu tanto gosto, e fico virando minha cabeça em direção à sua só pra conferir se sorri. Quando segura minha mão e me diz pra esquecer tudo que dói. Quando nos encontramos na cama...
Que vai e passa; É terno, o nosso amor.

Salto.

Depois de perder meus limites e minhas convicções, pensei que pudesse viver encamada eternamente. Pobre de mim que perdi também as pernas e senti nos olhos uma espécie de glaucoma. A dor era incômoda, por mais que eu tivesse providenciado os mais aconchegantes lençóis e travesseiros. Eu estava parada e meu corpo queria saltar. Infelizmente, não podia avistar de longe um lugar para aterrissar.
Foi num sonho, então, que me encontrei com duas criaturinhas. Anjos que fugiram do céu, porque não aguentavam tanta tranquilidade paradisíaca. Perceberam que eu era meio como eles. Pequenina, num cenário acolhedor. Mas inquieta! Com vontade de saltar do alto. Me seguraram pela mão e me levaram pela janela. O vento frio batia por todo meu corpo. Eu voava de olhos fechados, com o corpo inerte, carregada.
Um pequeno besouro posou sobre meu rosto e puxou meus cílios para cima. Deparei-me com o sol forte batendo sobre minhas pálpebras. Virei o rosto. O dia lá embaixo estava cheio de pessoas caminhando e correndo. Algumas com mais pressa, outras apenas passeando. Não me preocupava com o motivo de qualquer uma delas agir daquele modo. Na verdade, só pensava em como é que de repente eu simplesmente deixei de fazer parte dali.
Um dos anjinhos grita pra mim "Chegou! Era aqui que você queria chegar, não é?" Eu estranhei... E o outro pôs-se a falar seguidamente "Nós escolhemos, então. É daqui, menina, é daqui que a senhorita vai saltar" E aquelas mãozinhas miúdas e juvenis me soltaram. A queda (ou o salto) teve a intensidade esquisita daquilo que é desconhecido. Uma voz vinda de não sei onde sussurrou dentro de mim "Concentre-se". Fechei os olhos. Entrei em mim mesma. Esqueci da queda e concentrei-me no salto. Assim nada de mal parecia capaz de me atingir. Mas foi quando entrei em mim, que percorri minha mente, que percebi que nenhuma resposta me era dada. Minha mente estava vazia e gritei dentro dela "É isso? É só isso que eu vim ver? O que é que você deveria realmente me mostrar?!" E a voz calma apenas disse "A resposta tá aí dentro de você, é isso que você está vendo. E uma ordem: Preencha-se".

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Tempestiva.

Pingo por pingo, a chuva vem chegando aos seus ombros. Leve. Pingo por pingo, já saía em previsões outros mais. Outros tantos.
Ela não entendia o quê tanto lhe feria que lhe fazia chamar a chuva. Parecia uma vontade imensa de se limpar, enganada. Chuva ácida. Quando vinha, não limpava ninguém. Fazia arder os poros.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Eu e você.

Tenho certeza que nosso ritmo criou-se da bossa nova. A sintonia quentinha que ligava seus olhos aos meus e tudo o que poderíamos ter vivido. Havia um ritmo, lembra? Um ritmo calmo que eu e você dançávamos de olhos fechados.
Perguntaram-me mais cedo "Mas e vocês, como estão?" Respondi "Vocês quem?" Olhei para o lado à procura de alguém. Até que, enfim, este terceiro sussurrou seu nome. Só ri e expliquei que não existíamos. E não é verdade? Nunca houve nós, nem vocês. Nunca aprendemos a nos juntar tanto assim. Toda a sintonia que existia era tão abstrata que inventávamos nomes mil para esconder o medo de simplesmente sermos para sempre eu e você. Eu e você, sempre precisando de uma preposição para juntarmos. Não nos misturávamos, eu e você. Só continuávamos aos encantos, aos beijos distantes e sufocantes.
Lembro que um dia, ao som de Tom Jobim, você me segurou e explicou-me baixinho que me amava. Nunca vou esquecer seu rosto naquele momento, fugitivo. E imagino que nunca tenha esquecido meu beijo em sua nuca, trêmulo. Não sei bem porquê, depois disso deitamos na cama de costas viradas. Fui buscando qualquer parte de você com minha mão esquerda, tateando seu corpo até encontrar a sua. Segurei-a forte. Sabia que você preferia não me encarar. Tentei adivinhar-te então, através daquela leve umidade que lhe invadia as palmas. E passei a amar-te de volta. Mas continuamos sem saber como virarmos uma coisa só. Ainda que quiséssemos, à cada segundo ficávamos mais distantes na cama. Sempre com as costas viradas. Você tentava se proteger de sei-lá-o-quê, e eu me contentava apertando suas mãos cada vez mais forte e sentindo seu suor frio.
Mesmo depois de tanto tempo que tombou da cama e se retirou pela porta em passos leves, ainda sinto-me apertando suas mãos. Não consigo sentir que tenha realmente partido. Talvez se eu virasse a cabeça em direção à porta, pudesse comprovar. Mas tenho medo. De perceber que fiquei eu e? Nossa história.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Que foge com rapidez.

E essa minha sensação de que estão todos correndo? Atrás não sei do quê. De outra coisa qualquer. Do fim. De um outro início. E que metáfora é essa, a vida. Fugaz.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vicioso.

Você se aproximou depois de perceber meus olhares de desejo. Você chegou como quem já sabe bem o que quer. Ainda que essa certeza jamais racionalizasse dentro de si. Sorria das minhas retribuições tão singelas. Esforçava-se a mostrar-se forte. Mas às vezes começava com um discurso que não sabia pra onde ia, nem de onde vinha. Me enchia de palavras pesadas, que juntas não diziam coisa alguma. Eu me esforçava a compreender, a relevar, e a crer que com o tempo te entenderia. Eu cria que o tempo viria.
Você ali, no palco. Você, de novo. Você, com uma voz ardente, com os lábios quietos. Você, ora ruiva, ora morena. Você, às vezes com seus cabelos longos. Mudava a cor dos olhos. Trocava constantemente de nome. De gostos, de sabores, de jeitos. Mas continua sendo você que, com o poder do toque, ao encostar em meu ombro e virar a beirada do seu rosto em minha direção, me encantou. Que ao cantar uma canção francesa para centenas, sem perceber minha presença, derrubou-se em mim. Um encontro casual. Te conheci de novo. Já sentia sua falta. Seu toque. Sua voz. Sua casualidade. Sua intensidade. Não me surpreendi ao perceber que acabava de deparar-me com um novo amor.
Mas chega uma outra voz. Uma voz interna, terrível, verdadeira e contemplativa, me dizendo que talvez não fosse amor novo coisa alguma. Disse-me que talvez fosse apenas lembrança de amores passados. Irrelevante. Mesmo meus amores passados tinham qualquer coisa de inconveniente.

Não temo meter-me em bolas de neve. Meu medo é que o tempo, de novo, não chegue.

sábado, 18 de setembro de 2010

Montanha-Russa.

Busco qualquer tipo de conforto em casa. Acolho-me no meu ninho, dentro daquilo que acostumei-me a chamar de lar. Como chocolates que vêm me dar prazer. Me ajudam a controlar a dor. A dor que é (e)terna e sumirá no fim do dia.
Não tenho coragem de abrir a porta de casa, nem de dar às caras para a vida. O medo de me cortar com farpas e arames mal colocados lá embaixo me faz retroceder. Para onde é que não sei. Já dói muito por aqui, sozinha e presa à mim mesma.
Sofro a vida. Agora. Com intensidade nos sentimentos que tenho e que devo largar. Mas o Sentir já é conhecido de mim. Parece até mais fácil, mais simples. Deixá-lo comigo e caminhar com ele. Entrego-me à dor com a facilidade de uma criança descuidada. E sinto-me assim exagerada também aos meus prazeres. Desejos me vêm a todo tempo. Instáveis. Fortes. Quero agora isso. Para meu desespero, nada mais suprirá, e Isto está em falta no mercado ao lado.
E ontem eu estava feliz. Hoje acordei com insuficiência de consciência. Depois, me vi a sorrir na sua frente. Agora, isolo-me e não quero ninguém mais. Mais tarde, tenho certeza que vou dançar. Em qual sentido, não posso prever.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O casamento mais perturbado.

Acredito que entendi finalmente de onde vêm essas nossas crises e nossas insatisfações com nós mesmos. Você adora repetir-me que o problema de um casamento é o excesso de convivência. Ficamos conhecendo manias irritantes e humores desagradáveis da pessoa que amamos, e nos aborrecemos. Então é óbvio, afinal, que acabamos nos aborrecendo com nós mesmos com tanta frequência. Conviver 24 horas com a mesma pessoa desde o início da vida e se conhecer tão bem assim não podia ser menos desgastante. E não há auto-estima que não se confunda ao lembrar da impossibilidade do divórcio.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Precipitadamente.

Havia uma menina na parada de ônibus. Uma menina quase-loira, quase-baixa, quase-magra. Quase-bonita. Seus olhos indecisos ficavam entre o azul e o verde. Sua boca, entreaberta. Eu, que a olhava de quase-muito-perto, resolvi quebrar barreiras e assumi minha proximidade, para poder melhor narrá-la. Em sua pele branca, vi alguns vestígios de acne que ela deve ter tentado se livrar. Sua roupa, uma rasteira bonita e antiga, um casaco que deve já ter sido incrivelmente atraente um dia. Hoje, desbotado; como o resto da figura inteira de quem vestia.

Ela estava com preguiça. Gostaria de caminhar até a casa do seu tio. Mas preferiu esperar um ônibus e poupar-se do cansaço que uma caminhada lhe traria às pernas naquele momento. Qualquer ônibus que vá até a w3 sul, por favor. Repetia para si mesma silenciosamente. Era um ônibus azul que precisava. Passaram vários amarelos, vermelhos, verdes, e Helena podia jurar ter visto também um roxo, rosa, caramelo… tudojunto. Não sabia bem de onde vinha o delírio. Mas como é que não passava o ônibus que queria?
Certo, pensou ela. Vou esperar mais 5 ônibus, se o 5o vier e não houver sinal do meu, vou-me embora caminhando. E então ela sentou-se. O mundo parecia conspirar contra sua preguiça, pois passou a não enviar mais ônibus quase nenhum.
Sentada, seus olhos passaram a fechar levemente, e incompletamente. E tudo tão cheio de mente assim, inclusive Helena. Começou a sentir-se suja, incapaz. Não conseguia enxergar-se subindo à canto algum. Talvez não conseguisse nada daquilo que ansiava. Nunca fora boa nisso, de qualquer forma. Não achava que seus desejos fossem tão impossíveis para alguma outra pessoa. Mas para ela era distante. Ela olhava pro horizonte dos seus sonhos e conseguia ver-se acordando de um baque na melhor parte da ilusão. E de repente nada mais parecia real. E ela nem mesmo havia conquistado suas vontades ainda.
Pensou também em tudo que teria que lidar na vida. Agora, continuo indo à escola. Acabando esse Ensino Médio, vou tentar entrar para uma faculdade. Depois, trabalho. Isso não era tão aprisionador. Mas imagina se ela tivesse filhos? Imagina ter sua própria casa, ter que pagar suas próprias contas? Se ela mal dá conta de ir caminhando à casa do tio! Ela via-se, já, daqui há 20 anos, sofrendo daquilo que têm chamado de doença… Via-se estressada. Morreria de câncer devido aos seus cigarros múltiplos desde os 16 anos. Se o stress tende a aumentar, ela que não ousaria parar de fumar. Saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos, e enquanto o destino mo conceder, continuarei fumando, dizia ela emprestando-se um pouco de Fernando Pessoa.
Continuou descendo às suas profundezas da mente. Pensou em pessoas e no quão impaciente todas elas se tornaram. Inclusive ela mesma. Relacionamentos virtuais são mais fáceis porque você tem a opção de responder ou não. E você pode mentir, também, sem seus olhares desmentirem. Ai! Ai, não! Mas ela queria um dia escrever um livro! Como poderia, com esse mundo tão perdido? Não tinha vontade de escrever sobre nada que conhecia. E não acreditava em nada que criava. Percebia então como seria mais fácil deixar para os outros, essa coisa de viver.
Mas que camada fina de vácuo começou a tomar conta dela, depois do terceiro ônibus. Fechou os olhos por completo desta vez. Tentou até enxergar qualquer coisa lá dentro. Imaginou-se a si mesma, mas não viu nada. Abraçou-se e encolheu-se, sem apego. Queria apenas ocupar menos espaço daquele mundo terrível.
Passou o 5o ônibus. Era o dela. Resolvi ir avisá-la. Toquei em sua pele, gélida. Ela não se moveu. Foi só quando toquei seu pulso que percebi que já estava morta. Precipitada mente.

Não sei explicar meu desespero, como narradora de figura tão querida à mim, ao perceber que não pude dar à ela outro destino.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quebra-cabeças.

E se eu te disser, assim... que te descobri? Te desvendei. Desvendei teu amor, segredo meu. Percebi quase sem querer. Ou melhor, nunca quis, mesmo. Mas dentro de todas suas curtas palavras via uma pista. Pequena, que seja. Se formaram num quebra-cabeça e agora eu posso ver. Vou emoldurá-lo. Cuidá-lo e apreciá-lo. Ainda que de longe, ainda que distante. Um cenário bonito que me entristece até certo ponto. Minha vida já tão cheia de desamores... Por que é que havia de apaixonar-me logo por um amor assim, tão seu? Alheio a qualquer coisa que me pertença.
Ter enfim descoberto, ou criado uma imagem bonita para o que nunca saberia compreender através desses seus olhos vagos e grande estatura, me trouxe certo alívio. Respirei devagar. Segurei os teus ombros, abracei teus cabelos, beijei os teus pés. Depois voltei a ver-te formosa em minha parede. Como nunca havia antes percebido.
Já passei muitos anos em busca da felicidade. Não ligo mais para isso. Hoje, procuro apenas o bem-estar. Procuro apenas cuidado. Sou carente de um abraço, de um carinho. Mas aprendi a entender-te tão mais bonita em meu quadro que em meus braços... Ainda que continue firme do meu lado, do outro lado da cama.
Pode desconstruir-se. Vamos lá. Eu sei que não permanecerá aqui por tempo longo. Sei que assim que o sol bater nessa minha antiga cortina pesada, você irá embora sem se despedir. Não me importo. Talvez sinta falta. Mas não se importe com isso. Só quero que, por favor, não leve embora o quadro. Nem enfie seus saltos finos pela moldura em meio a sua fúria. Passei tempo demais montando esse quebra-cabeça. Tão alheio a mim, mas tão cheio de desejos meus. Deixe-o como lembrança, por favor, uma imagem de você.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Açaí.

Estava eu do seu lado, no carro. Eu olhava pela janela os ipês amarelos, enquanto você me contava algo sobre o livro que estava lendo. Eu prestava atenção em ti junto com todo o resto daquela atmosfera. A cidade marrom e deserta. Os ipês colorindo... Algo como um quadro retratando um deserto, usando as cores quentes das flores para reforçar o calor. E nós ali no carro. Sem ar-condicionado, com as janelas abertas. Meus cabelos voando. Quente, muito quente, embora o vento tentasse me acalmar. Não conseguia, infelizmente. Hora do rush. O vento nem conseguia ousar conosco se acabávamos precisando continuar parados.
Muita gente na rua. Nossa, quanto cachorro! Uma menina andando de skate. Grupos de adolescentes saindo da escola com mochilas enormes. Você parou um pouquinho para prestar atenção também. Não sabia se amava aquilo ou se desprezava aquilo. Era uma linha tênue, com certeza. Mas eu falei pra você outra vez que a maior beleza estava nas coisas mais melancólicas. Você riu da minha tentativa de poetizar qualquer coisa comum, ali no carro, com pressa para o almoço. Nessa hora virei a cara para a janela outra vez. Eu amava te escutar rindo. Mas não suportava olhar para seus olhos e vê-los esperando que eu risse de volta. Até gostaria. Mas rir pra mim é uma coisa mais complicada. Nessas horas mais gostosas, prefiro rir internamente.
Passou um tempo e pude ficar olhando para você outra vez. Dirigindo com atenção, e com alguns poucos raios de sol batendo na sua pele. De tudo isso, começou a surgir em mim uma espécie de bem-estar. Um bem-estar melancólico. Portanto, bonito. "There's so much beauty in the world I feel I can't take it"
Mas a sensação que batia forte em mim é de que faltava alguma coisa. Existe uma coisa que quero agora, pra tudo ficar bem. É uma emoção, quase. Uma vontade roxa. Intensa e tão simples. Mas como é que eu descobriria o que é? Minha boca enlouquecida, quando a vontade chegou até ela, formulou sozinha as palavras: "Queria tanto um açaí!".
E você riu de mim mais uma vez.

domingo, 5 de setembro de 2010

Sem título.

Não se preocupe. Já sei que sente e que sente muito. Percebo intensidade nos pêlos de sua pele, que sobem ao meu toque. Eu cheiro teus cabelos num abraço, curto seus olhares focados em coisa alguma. Mas focados. Perdidamente focados em algo que não se pode ver. Sei que em algum momento acabarei repetindo para ti o mesmo que já disse para outros. Já sinto. Está me puxando para si com uma corda fina que me dá gosto. Me faz bem. Me cura.
E desculpa se ainda não soube deixar outrem.
Desculpe-me por não estar só contigo esta noite. E principalmente, desculpe-me por tentar embelezar minhas babaquices que nada têm de bonito ao te fazer chorar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Abracadabra (Luiz Päetow)

Ele falou para si. E você, se existe, ouviu. Mas não. Não. Não existes. Ele falou para si. Ele juntou as palavras, pausadamente. Ele disse, e só ele escutou. Lá estava ele. Parado. Quieto. Só ele ouviu. Dizia para ele, apenas. Disse-se. Se desse, gritaria. No silêncio. Gritaria pausadamente. Não. Não. Berro. Berraria. Ria. Com o olho. Olharia. Com olhar, riria. Quer dizer, berraria. Então, em tão quieto sussurro. Subiu. Sim, subiu. Subiu a voz. Um brado. Retumbante. Que ressoa. Eco. E todas suas derivações. Lógica. Com sobriedade. Sim, ele sussurrou o que dizia e queria gritar, mas berrou, como em um brado ressonante. Disse. Escapuliu de sua boca. Ôca. E seus olhos acompanharam a voz que não saía. Avós permaneciam. Ele, parado. Para o lado. Sem direção. Endireitou-se. À esquerda. Não se moveu. Comoveu. Como viram alguns somente. Só mente. De mentira. Uma mente que tira. A verdade. Passa a ver idade. Sem pressa. Compressa. Para o corpo meio morto. Ou torto. Que se esquiva. Esquina. Na quina do que não conhecia. Reconhecia. Uma voz. Atroz. Suportável. Dentro. Então, insuportável. Insustentável. Peso. Jogado para fora. Fora sim. Assim se foi. À voz: "Solidão é o aumentativo de sólido"

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Coração em dois.

Ela se juntou conosco na cama e, a princípio, achei excitante. Imagine só. Até pensei que na verdade quem estivesse sendo carregada junto era eu e não ela, mas não me importei. Estava contigo ainda assim. E você estava me enchendo de carinhos e beijos. Não reclamaria de nada jamais.
Nossos três corpos se juntaram, sentia tua respiração acelerar e a beleza dos cabelos dela. Os seios dela encostavam os meus e voltavam para você rapidamente. Ela te queria. E eu percebia em ti a confusão, em seu olhar. Você me puxava para seu lado, porque sentia medo dela. Ela te atraía absolutamente. E seu medo era que ela pudesse te dominar. Mas ela é tão distante, ela é tão difícil, ela seria tão impossível para você, infelizmente. E eu sabia. Você nunca me mentiu.
Eu sabia que por mais que adorasse ter a presença dela ali, não passava de um sonho que você adorava criar. Um momento passageiro. Logo sentiria sua ausência. Só não entendi porque é que eu estava ali também, dessa vez. Você não costumava permitir-me caminhar por este teu mundo tão intimamente.
Foi dentro deste sonho teu (ou meu?) que eu percebi que na verdade nunca estive apenas contigo. Ainda que não tivesse nenhuma outra mulher de carne e osso do nosso lado, você sempre dividia seu coração em dois pedaços. Eu sorria por saber que um ao menos era meu. E nutria tanta paixão por ti, que acabei roubando-lhe tua segunda paixão, e entregando-a um pedaço do meu coração também. No fim, só quem ganhou foi ela, que não teve de partir coração algum e ainda recebeu duas metades que poderia unir se quisesse.

Sozinha, ela carregava consigo qualquer possibilidade que eu e você teríamos de nos amar.

sábado, 21 de agosto de 2010

Vida,

A vida entra em mim descabendo no tamanho. Sou pequena, eu digo. Não cabe você inteira aí dentro de mim. E por que insiste em caminhar comigo? Não me dá soluções, apenas me ocupa espaços. Vá embora, só um pouquinho. Vá e me deixe um instante só. Quero brincar um pouco como uma boneca de pano, sem vida, mas tão bonita e querida a um olhar de criança.
Tá certo, vida, faz questão de vir em mim. Então posso desabafar? Deixe-me dizer o que me incomoda. Sim, te amo como nunca seria capaz de amar mais nada nem ninguém. Mas... Sim, há um Mas. E sei que triste é escutar um Mas assim depois de uma declaração de amor. Mas preciso, entende? Deixe-me, tente compreender-me.
Mas... Mas o efeito que você tem em mim é incrivelmente bonito. Sua presença me é inspiradora. Mais do que qualquer obra de arte ou tom de céu. Afinal, acho que a arte e os tons de cores ficam mais bonitos quando te tenho do lado. Enfim, não posso distrair-me. Tentarei com muita dificuldade focar-me no que quero lhe contar. Então... Então, és linda demais e deixa-me mais sublime, mais apaixonada. Aflora em mim incrível simpatia. Incrível capacidade de sentidos. Entrega-me poesias a escrever e brilhos nos olhos. E logo, por fazer-me perceber tudo isso, por fazer-me aceitar tudo isso, por fazer-me acreditar nas belezas das idiossincrasias, por fazer-me, enfim, intensificar-me, torna-me também mais vulnerável às dores que existem por aí. E é por isso, vida, é só por isso que às vezes gostaria que se afastasse um pouquinho só, enquanto eu planejo algumas regras para te apresentar da próxima vez que você quiser voltar.

Só um pouquinho, hein. Um pedacinho de mim pelo menos, que pare de viver. Indico-lhe deixar um pequeno espaço livre primeiro em meu coração, pra que eu não o dê tanta atenção por ora. E depois, que espace um pouquinho a minha mente, para que eu consiga pensar melhor em como ajeitar-me, sobriamente. E por último, que libere minha mão direita para que eu possa fazer anotações. Aí peço que leia tudo que eu pôr no papel. E que, caso aceite meus termos e condições, que volte. E volte mesmo, tá? Eu te amo sim, mas preciso me organizar, me encontrar antes de entregar-me a ti.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cor de fogo [Parte 1]

Sou um bobo. Nunca havia assumido isso a mim com tanta convicção. Encantei-me de pronto com seus cabelos. Seus cabelos vermelhos e longos com cachos ao cair dos fios. Encantei-me como se nunca tivesse visto nada parecido. E talvez nunca tenha mesmo, pensando bem; tirando as capas de revistas que observo em bancas de jornal.
Nem era assim tão bonita. Ou não pretendia ser. Ou não tivesse tempo para isso. Mas isso só percebi depois. Sim, porque no primeiro dia de aula chegou magnífica, com um vestido verde e olhos delineados, e talvez guarde essa imagem sua em mim ainda. Mas nos dias que se passaram, entrava atrasada, quase sem fôlego, com um jeans que não lhe caia bem e com uma blusa certamente antiga que usava já fazia anos.
Não sou de reparar tanto assim nas pessoas. A maior parte do tempo fico quieto, silencioso, esperando que a vida passe calma. Mas você me chamou atenção. Você lia um livro com uma capa curiosa, com um desenho estilizado de pássaros dentro do mar. Sim, achei terrivelmente interessante. Busquei o nome do livro. Mas vamos lá, não há como encontrar o título de um livro com uma capa assim. Sei que o queria. Queria também seus cabelos e despir suas roupas surradas. Que vulgar, você diria hoje, caso lhe contasse isso.
Você era também incrivelmente simpática e distante, ao mesmo tempo. Chegava cumprimentando todos ao seu lado e depois sentava e abria seu livro até que o professor chegasse a algum assunto que lhe despertasse. E quando desperta, endireitava a coluna e seus olhos seguiam o professor a qualquer ponto, até que tudo lhe parecesse enfadonho outra vez. E abria novamente seu livro.
Passaram-se duas semanas e eu sentava sempre umas cadeiras atrás de você, nem sei se me percebia até então. Acredito que qualquer dia eu peça a você que me tire a dúvida. De qualquer maneira, não é como se estivesse apaixonado por ti. Na verdade, só lembrava de você quando entrava na sala ofegante. E passava duas breves horas olhando para ti porque talvez me faltasse um bom livro para distrair-me.
Depois é que seus cabelos cor de fogo começaram a arder em mim. E foi aí que tudo se agravou.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O quê (re)escrevemos ali eu não sei o que foi.


Encontramos-nos de novo à beira mar. Exatamente como antes. Mas hoje seus olhares estavam chorosos e contou-me de ti de forma que nunca havia antes sabido. Eu, pelo contrário, falei bem menos. Minha vida anda tão desinteressante há tanto tempo. E talvez justamente por isso conseguisse te escutar tão bem.
Mas eu, ainda assim, não sei o que foi que aconteceu. Estávamos deitadas na areia e aos poucos os pedaços do nosso corpo foram se encostando timidamente. Sem querer? Sim, talvez fosse o vento frio que fazia com que meu corpo pedisse por um pouquinho mais de calor.
Você percebeu que não queria falar sobre minhas feridas de vida. Abraçou-me terna e mostrou-me que me amava ainda como tanto amou anos atrás. Ou talvez só fosse a forma que encontrou para agradecer meus ouvidos tão generosamente emprestados a ti. E talvez eu só quisesse te agradecer de volta, por ter respeitado meus silêncios.
Mas sei que ao menos um pequeno verso de amor escrevemos ali. Só não sei o que foi. Com certeza meus sentimentos misturados aos seus devem ter formado algo novo que talvez seja incompreensível pra qualquer uma de nós.

Vodka.


Você fica assim, sorrindo como amiga. Fácil. Jura saber muito mais que eu sobre as coisas todas. Quer me dominar, isso eu sei. Mas fui eu a tola que corri atrás de ti, tu só sorriu. E talvez essa já tenha sido sua primeira conquista. Agarrou-me e percebeu que procurava em ti um veneno que me fizesse sumir. Providenciaste todo o teor alcoólico, enviou-me suspiros de prazer. Depois me tacou no chão e me deixou quieta num canto para que pudesse eu mesma terminar de acabar comigo.

No dia seguinte acordo com a esperança de que tenha sido apenas um sonho ruim. Mas ali está você na minha frente, no espelho, com sua cara barata e arrogância conhecida, dizendo que eu caí na sua outra vez.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Carta Dele para Ela.

Todos os caminhos se fecharam. Estou sem conseguir ir atrás de ti. Vou jogar esta carta ao vento e esperar fortemente que a receba. Ainda acredito que não demorará muito pra encontrar uma saída. Ocupo meu dia à procura, desde a primeira hora da manhã. Com intervalos para a comida e para o sono. Querida, aqui estão todos sendo tão bons comigo.
Apesar da aparência cinzenta e da falta de bonitos jardins como os quais estávamos acostumados, encontrei aqui certa poesia. Resolvi cantar tons monocromáticos misturados com a simpatia de todos que se puseram firmes conosco. Entristeço-me por não ter te explicado tudo bem melhor antes. Se eu tivesse previsto que teria de partir, teria me esforçado mais a colocar-te ao meu lado.
Lamentos a parte... Não temos tempo para isso. Estou a escrever esta carta para lhe depositar um pouco mais de esperança, pra declarar-te o meu amor. Meu único medo hoje é que acredite que te esqueci ou que desisti de buscar-te. Não. Quero-te como nunca. E estou verdadeiramente obstinado a te encontrar onde seja. Só não me desespero porque sei que isso apenas me roubará concentração. E isso eu não quero. Espero que esteja firme também. Mas espero que também ainda pense em mim...
Meu bem, não há um só dia que eu não sonhe com o cheiro do teu corpo. Não há um só dia que teu olhar me deixe só. Lembro de você cantando-me baixinho as canções do amor. Aquelas quietas, silenciosas. Porém as que mais me faziam dançar. Teu canto calmo fazia cada parte de mim dançar teus compassos. E sentia dançarmos juntos. Tu o pássaro raro, e eu o bobo que me encantava a imitar tuas folias.
(Deixe-me lhe contar um segredo... Eu acredito ainda dançar junto de ti. Acredito mesmo. Creio que estamos juntos ainda, em algum plano que se encontre neste vasto espaço. Acredito com a certeza dos apaixonados, que temos um ao outro apesar de toda a distância terrena, e de todos os buracos no tempo. Finjo que nosso portal é a lua, e é a ela que canto para ti todas as noites, esperando que escute. Canto aquela música que gostas, da liberdade das fadas e dos risos dos solitários.)

Um grande beijo, amor meu. Não desistirei até encontrar-te e somar-te a mim mais uma vez, de corpo e alma. Espero que o vento consiga levar esta carta a ti, apesar das barreiras. E se receber, sorria. Sorria para a lua, que eu conseguirei enxergar teu reflexo.

Carta Dela para Ele.

Provavelmente esta carta nunca chegará em suas mãos. Mas preciso escrever. Preciso tentar. Eu... Eu preciso ao menos depositar meus sentimentos e minhas confissões em algo, ainda que seja numa folha de papel, e esperar que o vento a leve até você. Meu querido, essa é a única esperança que me resta. Aqui, nada mais me apetece. As luzes fortes ofuscam nos meus olhos, e toda essa aparência não é capaz de esconder a tristeza deste lugar.
Imagino caso consiga receber esta carta apesar de toda a improbabilidade, e quando penso assim, um esboço de sorriso rasga minhas bochechas desacostumadas de alegria. Não sei reconhecer o que me tornou tão infeliz. Pensei que com o tempo, foste aparecer de volta. Mas nada. Porque me abandonaste?
Lembro muito bem de nós dois. Lembro de como apertava minha cintura e eu brincava com teus beijos. Lembro de toda a trilha sonora de gemidos e sussurros durante a noite. Não sei se, naquela época, algo me agradava mais que o seu prazer. E mais que isso, seu prazer junto ao meu. Hoje, tenho certeza que nada me agrada mais que as lembranças destes momentos. Todo seu tórax pulsava. Eu colocava minhas mãos em teus cabelos, em tua nuca e depois em todo seu corpo. E aí começávamos com todas aquelas acrobacias. Éramos fadas sem asas, nos sustentávamos um no outro. Ninguém mais caberia ali. Era uma dança criada através de nosso amor. E a música que tocava era a nossa chama acesa. E lembro de você dizer-me baixinho que enquanto ela estivesse assim tão flamejante, nossa dança só poderia acompanhá-la fielmente, sem pausas.
Imaginava essa nossa paixão como uma fogueira ardente no campo, e nós dois sentados juntos ao redor dela, meu amor. Hoje, imagino que talvez fossem na verdade duas fogueiras diferentes e distantes uma da outra. Você esquentando suas mãos diante de uma, e eu na outra. E éramos incapazes de espiar com precisão a chama do outro. Será que era assim? Tua chama se apagou ao partir? Não consigo ver! Dê-me uma dica, ao menos.
Lembro que quis me levar consigo. Pouco me importava o motivo de ir ou de ficar, tu sabes. Teria te seguido sem pensar. Mas me puxaram para trás. Puxaram-me, não deixariam que eu fosse se não acreditasse no motivo. Confundiram-me, amor! Gaguejei, e perdi tua presença neste mundo terreno. Eu não pensei que você pudesse ir e não voltar logo para mim. Quando demorou, resolvi eu então ir atrás de ti. Mas não encontrei caminho algum, apenas névoa. Adoeci. E encontraram-me já pessoas tristes e perdidas nisso que não é razão, sem possuir verdades e cheios da culpa de terem permitido que não só você, meu amor, partisse, mas que tantos outros também se fossem.
Desde então, desisti. Desisti por não ver outra opção do que fazer. Aos poucos tudo foi perdendo a graça. Até as flores do jardim, querido! Até aquelas lindas flores azuis que passávamos tantas horas poetizando-as. Até elas hoje me parecem falsas. Parece que me desafiam; Como se estivessem aí para fortalecer a ironia deste mundo em que vivo e que já não faz mais sentido algum. Não tenho mais muita esperança para nada. Porém tenho necessidades trágicas. Como por exemplo, escrever algo e ver se quem sabe isso me acalme.
Vou parar por aqui. Querido meu, sinto sua falta. Se pudesse voltar no tempo, teria ido contigo. Hoje tenho vários grandes motivos para deixar este lugar tenebroso. Mas não acredito que haja um caminho...

Um beijo.

ps. Meus lábios agora tremem.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Vita Brevis (Codex Floriae)


Ao deparar-me com a brevidade da vida, percebi que bobeira seria negar-me aos prazeres efêmeros que esta me propõe. Bobeira maior seria deixá-los entrar só de leve e negar intensidade. Sim, pois só gozamos de tudo que chega a nós se vivemos fortemente. Pensamentos passeiam, nos rondam, mas não podemos deixar que tomem conta. Tentar racionalizar, ao invés de amenizar a dor, a alimenta silenciosamente.
E com tal potência, minha fome crescia. Meu desejo ardia em meu corpo inteiro. Cada pedaço de mim gritava por você imediatamente. Gritavam por teu corpo. Olhos fechados, beijos selados.
O uso dessa palavra - concupiscência - talvez seja injusto, para algo que é tão bonito. Sim, pois não é pura luxúria. Há algo além. Ceder aos prazeres que surgem com amor não é atitude libertina. É apenas viver a vida com o corpo e a alma. E nunca pensar em separar os dois.

Resolução.


E quanto maior o esforço para esquecer-te, mais frequentes são meus sonhos contigo. É sabido que o desejo de deixar um vício (e uso esta palavra por pura liberdade à metáfora) costuma fortalecer ainda mais a falta. Queria poder comprar uma essência de ti na farmácia, como adesivos de nicotina.
Como tal solução só funciona na poesia, resolvi então permitir que continuasse em mim ainda que ilusoriamente. Vou completar os planos que deixamos para trás e viver com a presença tua que crio deliberadamente.
Aos poucos, estou certa, me afastarei de ti e deixarei tua imagem partir só; Com as lembranças desconhecidas de tudo que criei sozinha para nós.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A Lembrança Sustenta!

A inconstância da vida traz momentos onde é desejado deixá-la. Há dores que não se curam com os anos. Há sentimentos que não se vão com o afeto. Existem pessoas ao seu lado para te ajudar, mas que não conseguem lhe enxergar. Estava eu, só, a tomar um café na minha cidade que tão bem conhecia; Mas me sentia tão desconhecida por ela. As pessoas que passavam ao meu lado não me tinham como pedaço da vida. Aquele lugar independia de mim.
Fui passeando pelos arredores. Reconhecia as árvores, sabia o caminho, percebia o sol no meu rosto. E todo esse conhecimento adquirido pela convivência e pelo costume de repente parecia sem sentido. Não parecia mais existir. Adentrei uma estrada nova. Uma calçada recém feita para cortar caminho à quadra. Cortar caminho. Cortar caminhos para quê? Por que a pressa? Se viver é exatamente ir em frente, sem atalhos!
O que será, será; Já dizia aquela canção. E viver o que há de ser é que é simplesmente incrível. Não podemos moldar sozinhos todo nosso futuro. Olha só, aqui estou eu passeando por um caminho criado por terceiros, sem minha aprovação. Decidi caminhar por aqui, como poderia ter escolhido outro caminho que outro construíra. Ou poderia construir meu próprio caminho. Mas não poderia impedir outros de quererem cruzá-lo com o seu próprio cimento ou com sua presença. Nem gostaria. Bifurcações nos enchem com maiores possibilidades. E as pessoas que aparecem no caminho acrescentarão alguma coisa, nem que seja uma mera reflexão.
Minha melancolia vai me forçando a andar mais lentamente. E um vazio toma conta de mim. Nada de carência, mas uma revolta de não saber ser o mundo. De não conseguir ser completa. De simplesmente quietar-me e não fazer de mim tudo que eu poderia. Será que minha vida faz sentido? Será que em algum momento ela já fez? Será que algum dia fará? É tão difícil pra mim responder, sendo que nem sei que sentido procuro, nem se realmente existe algum...

Paro por um momento. Uma canção toma conta da minha cabeça. Uma canção de ninar. Uma lembrança da infância. Vi vários sorrisos. Lembrei-me de brincadeiras. Vi-me a acreditar em fadas. Senti olhares de amor direcionados a mim. Vi-me correr ao vento. Senti de novo o mar pela primeira vez batendo nos meus pés. Notei teus dedos entrelaçados nos meus, tuas coxas em contato com as minhas. Vi-me dançar com diversos pares. Lembrei de coisas belas que escrevi com urgência apaixonada. E como tantas pessoas já me fizeram sorrir. Voltei para debaixo d'água, indo em direção à queda que, apesar de tudo, costumava formar lindos arco-íris.
E foi aí que percebi tão claramente que são as lembranças que sustentam a vida, quando o presente e o futuro se mostram tão incertos.

[E percebi também que todo meu sentido de ser dependia de eu continuar a andar, no caminho que eu mesma escolhi.]

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Algo a mais.

Via ele enervar-se à toa e a toda hora. Não aprendeu simpatias e negava-se a sorrir facilmente. Ria assim, de vez em quando, de uma coisa boba. Ia atrás de pequenos conflitos, satisfazia-se com eles. Pensavam que era egoísta, que só pensava em si e por isso mesmo destratava pessoas por motivos pequenos. E só por motivos pequenos. Preferia não resolvê-los e deixá-los presentes para que pudesse através de sua energia torná-los grandes, tempestuosos. Quase fazia-me acreditar na seriedade de seus pequenos grandes problemas. E apesar de todos dizerem o contrário, passei a perceber que essa intensidade era prova de que sabia muito amar. Escondido.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Cantar você.

E foi vendo-te cantar que resolvi esquecer. Esquecer as coisas tolas que queria te dizer. Esquecer teus carinhos que não sei compreender. Quis ficar como estava ali, sentindo meus olhos brilharem e uma leve vontade de chorar. Uma vontade de você, uma vontade de te ter. Uma vontade que me satisfazia mesmo incompleta e sem poder. Meus sorrisos contidos, tentando entender uma amizade com você.
Não sei se é bem assim. E talvez nunca venha a me esclarecer. Talvez prefira assim, eu gostaria de saber. Não sei como me gostas. Mas por sorrir pra mim me conquista de jeito bonito. De jeito que mexe e me balança. De me deixar sem palavras, ar e certezas.

... E fica em mim só o desejo de ser capaz de (também) cantar você.

domingo, 25 de julho de 2010

Sem título.

Ela olhou pra mim como quem vê a lua cheia. Ignorou que eu tivesse outras fases. Viu toda minha majestosidade amarelo-brilhante no escuro e acreditou que aquela era eu. Acabei por apaixonar-me por mim mesma através de seus olhos.


[Rascunho de Alice. Incompleto.]

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Chorinho.

Cheguei ali debaixo do seu prédio. Não, não entrarei. Você nunca saberá que estive aqui. Vim só pra ver se dou a sorte de te ver passando de longe. De onde estou arranjei uma boa visão do seu portão, e estou logo embaixo da sua janela. Primeiro andar, sei que está aí escutando uma canção, um chorinho.
Choro junto, desafinada.
Mas meu coração difícil vai tapando os ouvidos, involuntariamente. Sim, porque se ele pudesse pensar melhor e te escutar, ele já seria todo seu.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Quase.

Digo não à proposta dessa estrela brilhante que ofuscou meus olhos essa noite. Ela veio assim, cheia de graça, coisa mais linda que Vinicius jamais viu. Ali em Ipanema, no bar, na minha casa, na escuridão, ou no meio do infinito perto de nada. Só sei que lá estava ela observando toda minha pequenez. Se aproximou fingindo boas intenções. Talvez fossem boas mesmo. Não sei, porque preferi não experimentar. Falou que me mostraria flores. Disse que me levaria numa viagem genial. Contou-me tudo que eu poderia conhecer. Encantou-me com diversas visões de coisas que eram para mim desconhecidas. Falou-me sobre amor e sobre amizade. Contou-me que me levaria para um lugar onde existiriam abraços. Disse que não estava destinada a minha não-vida que levava tranquila.
Quase disse sim. Se pudesse, até teria sorrido. Ela me falou também sobre sorrisos e sobre felicidade. E acredito que sim, se pudesse teria sorrido, segurado sua mão, a abraçado e formulado uma frase bonita com uma coisa que ela chamava de poesia (Não fosse a minha pequenez, minha tranquilidade e minha não-existência...).
Estava disposta. Quando ela de repente falou que de onde ela vinha as coisas também sempre acabam. Acabam de repente e sem aviso prévio. Disse que eu sairia de lá sem saber pra onde iria, ou se iria pra algum outro lugar. Deu-me certeza que eu me perderia em vácuo, em outro vasto breu. Me contou que nunca experimentaria nada igual. Disse que eu teria de abandonar outras pessoas. Falou-me que algumas delas é que me deixariam. Falou-me sobre angústia, desespero e perda. Mas qualquer coisa seria melhor que minha falta de vida, ela disse.

Quem ela pensa que é para subestimar-me assim? A arte de não-viver é melhor que esse desejo efêmero de ser sem sentido.

Querer.

E esse medo de deixar-me levar. De deixar com que as coisas caminhem como deveriam... Firme e lentamente. É como acabará acontecendo. Até que também vá se diluindo... firme e lentamente. Deixar que essa substância sem forma entre garganta abaixo. E que vá penetrando os pedaços esquecidos do meu corpo. Vai passeando assim por mim, com eco. Um suspiro. Um toque. Um arrepio.
E o desejo do infinito? Ou do congelar. Tempo sólido, inquieto ainda que incapaz de se mover. Desejo que não passa de vontade. Vontade angustiada e limitada, por não poder fazer mais nada além de querer.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Lembrança.

Lembro bem daquele dia, um tempo atrás. Quando nos cruzamos na calçada e você me sorriu. Minhas pernas ficaram bambas, e meu corpo hesitou. Foi você que chegou e abraçou-me. Derreti-me. Pensei que poderia cair, desequilibrada. Tentei manter a naturalidade. Enquanto conversávamos, acendi um cigarro. Caminhamos juntas até a parada de ônibus. Menti, disse que não tinha pressa. Fingi que não estava indo pra lugar algum, só para poder acompanhar-te. Via nos seus olhos um sorriso maroto, uma satisfação grande de me ter ali por perto. E eu, bem quieta, às vezes fugia dos seus olhares só pra não me sentir tão descoberta.
Acho que você acabou esquecendo a importância de suas aulas também. Me convidou para um café. Fomos, caminhando e conversando. Adoro quando paro pra pensar em tudo isso. Aquele dia é talvez um dos que mais gosto de recordar. Dizia-me que me adorava e eu ria nervosa sem saber como fazer-te entender tudo que eu sentia além disso. Passamos todo o dia juntas. Você me encantava com suas risadas e jeitinhos. Eu lhe entregava todo meu afeto e atenção. Esquecemos do resto e estávamos completamente ali. Sozinhas, completas, felizes com toda aquela névoa entre nós que excitava e trazia uma curiosidade deliciosa.
Foi bom todo o tempo em que ainda nos sentíamos assim, nesse dia e em todos os outros. Tudo o que veio adiante foi ótimo. Até os momentos mais infelizes, até quando eu sentia que estava tudo mal. Acontece que tudo fez parte de um conjunto maravilhoso de sentimentos intensos e de emoções transbordando. Um ano inteiro se passou e eu nem sei como tudo pode ter acabado tão mal.
Todas aquelas brigas e todas aquelas crises... Sei que errei, mas não fiz por mal. Tentei resolver e queria, queria muito. Mas me descontrolei com tudo que me disse. Tudo aquilo que me disse com suas emoções à flor da pele. Não cobro de ti que tivesse tido cuidado, eu entendo. Mas ah, pobre de mim, também tenho emoções. Senti raiva. Falei outras coisas horríveis de volta. E assim, como num ciclo vicioso, nos atacamos facilmente por conhecermo-nos tão bem. Você saiu da minha casa com a cabeça erguida decidida a não mais voltar. E eu encolhi-me no meu quarto decidida a não mais te procurar.

Hoje, naquela mesma calçada de tanto tempo e lembranças, te vi passar. Não tive como saber se me via. Seus óculos escuros escondiam seu olhar. Te vi, e tive a vontade impulsiva e boba de acenar, de caminhar até ti, educadamente. Não senti mais nada. Você passou e te vi apenas como um rosto conhecido. Deu-me medo, quando percebi. Senti-me fria. Nada de sentimentos, nada de emoções. Distância. Sim, como se você que passava não fosse mais a mesma que passava também por ali há tanto tempo atrás. Decidi virar a cabeça e fingir pressa, dessa vez. Idiota, eu sei. Mas eu preferia continuar contigo como te lembrava do que suportar uma nova-você agora te desconstruindo por dentro de mim.

domingo, 4 de julho de 2010

Inerte.

Aos poucos, todo o sentido que eu havia decidido manter em minhas mãos se fora. Na certeza, adentrou uma fumaça de medo. Já a vontade, foi tomada pelo receio. E eu fui em frente. Talvez por preguiça. Preguiça, sim, de me procurar. Não sei como funciona o auto-controle. Sei que o perdi. Aceito toda partida, toda aposta, sem nunca vencer. É o prazer de estar ali contigo, talvez.
Mas ontem na madrugada estive pensando. Pensei bastante, posso dizer. Debrucei-me sobre a janela da sala com uma taça de vinho chileno nas mãos. Vinho tinto seco que rasgava minha garganta com toda sua classe, enquanto eu me deliciava. Pensei tanto, que vi-me incapaz de chegar a qualquer conclusão. Vi-me incapaz de enxergar qual era meu problema. Na verdade, entrei num novo conflito e passei a acreditar que não havia problema algum, que eu é que estava errado.
Talvez (e só talvez) eu queira me acertar. Talvez seja só escolher. Talvez eu precise de um tempo só. Ou então, parar de beber. Preciso ficar longe desses teus jogos. Voltarei para a casa dos meus pais, para os abraços da minha mãe.
Mas quando acordei, deparei-me com o sol na janela. Meu corpo dolorido pela ressaca. Minha garganta com o gosto dos vários cigarros do dia anterior. Meu bem entrou no quarto. Sentou-se do meu lado, beijou-me e me entregou um sanduíche. Você me ligou, um pouco depois. Queria me ver. Queria também, juro. Queria abraçar-te e dançar contigo como fizemos aquela noite. Mas a inércia do dia tomou conta de mim. Amanhã te telefono, e entro pra dentro dos seus jogos outra vez, prometo.
E a epifania da madrugada acabou tornando-se costumeira para mim, nas próximas semanas. E o sol também. E você, e meu bem.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Sem título.

Não consigo enxergar-me sob olhos alheios. Vejo meu reflexo nos seus olhos verdes e percebo que estou ali, de alguma forma. Mas estou embaçada, distante e pequena - aos meus olhos, pelo menos. Fora esse reflexo disforme, não sei mais nada. Mesmo quando me traz pistas, elas parecem tão controversas, que tentando me curar, prefiro ignorar.
Você também não sabe se está em olhos meus. Já soube certa vez, mas é passado. Soube de jeito errado e sem qualquer emoção. Soube, e não sei se sorriu.

Sempre que nos encontrávamos, por acaso, lhe oferecia um café. Caminhávamos pelos corredores longos da UnB até encontrar aquele expresso amargo que você tanto gostava e enchia de açúcar. Falava-me sobre tudo. Falava e falava sem parar a sua opinião sobre as coisas do mundo. Nunca teve medo de expor um ponto de vista ou uma opinião diferente. Discordávamos com frequência, várias vezes ao dia. Mas aquelas discussões nos alimentava. Nossos olhares, quando se cruzavam, permaneciam vidrados. Eu via o brilho dos seus olhos tão verdes, tão lindos. E a partir de um momento, esquecia do que estávamos falando, e só sorria.
Não sei exatamente quando comecei a sentir sua falta. Pensava em você discretamente, secretamente, enquanto arrumava o quarto, ou quando saía com meus amigos. Pensava se faria sentido lhe telefonar. Respondia à mim mesma que não, não tínhamos qualquer proximidade. Não sabia da sua vida, nem seu sobrenome. Não sabia onde morava. E talvez, me gelava a ideia, estivesse até comprometida.
Nos encontramos poucas vezes, em bons momentos. Conversamos sobre tudo. E quanto mais penso no tanto que falamos, mais percebo que não te conheço nada. Não sei do que gosta, do que não gosta. Não sei se gostaria de ir a uma peça de teatro comigo, não sei se prefere música. Não sei o que lê. A única coisa que sei é que estuda economia; não sei bem porquê, aliás. Fala tanto do que pensa, mas tão pouco de quem és!
Gosto de pensar que talvez pense em mim de volta. Que talvez tenha as mesmas dúvidas e medos. Mas como disse desde o início, não sei intepretar-me sob olhos alheios - principalmente nesses seus, que só sabem me tirar a atenção. Gostaria de ter mais consciência do que te passo. Ou se faço com que sinta qualquer coisa. Ou se sou só uma companhia agradável durante nossos intervalos das aulas. Você estava sozinha quando comecei a falar contigo. Talvez só precisasse de um amigo. Eu é que, desde que te vi, encantei-me com teus olhares.

Desculpa

A necessidade de se desculpar e de ouvir pedidos de desculpas é constante. Há desculpas de diversos tipos. Não basta apenas ouvir "desculpa" para compreender. É preciso analisar os tons e os olhares.
Existem aquelas pessoas que se desculpam de mentirinha, para evitar futuras chateações. Existem as desculpas involuntárias, quando você se desculpa de repente sem saber direito do quê ou porquê, sem sentido. Existem aquelas pessoas que não se arrependeram e se desculpam por interesse. E tem aquela desculpa imposta, do tipo que a mãe diz num tom autoritário"Vamos, meu filho, peça desculpas para ela!".
Mas outras vezes, nos deparamos com situações bonitas. A desculpa sentida, por exemplo, é sempre comovente. E a desculpa tímida, de quem acaba de criar coragem de falar com você. Podemos nos deparar também em alguns momentos, com pedidos de desculpas que cabem numa história, fortes: A desculpa desesperada, de quem deseja o perdão mais que qualquer outra coisa. Esta costuma vir junto com a desculpa culpada, quando não é apenas arrependimento que tem aí, é também um grande peso na consciência. E há a desculpa contida, de quem não tem coragem.
Existem todas essas, e muitas outras. Sou capaz de compreender todas essas tentativas. Já perdoei todas elas, querida. O que não consigo é perdoar suas desculpas esfarrapadas.

domingo, 20 de junho de 2010

Dissimulada.

Você sentou do meu lado como quem não quer nada e perguntou como vai minha vida. Te contei que já estava para me formar. Te falei que planejava me mudar. Ir para São Paulo buscar um bom emprego. Você sorriu, meio que sem pensar. Contou-me que as coisas em casa tinham piorado, que não aguentava mais. Desejou-me o melhor.
Virei-me e você me fitava com olhos brilhantes. Aquela intimidade de outrora era hoje distante. Vi em você a vontade de voltar. E uma vontade de chorar, esquisita. Segurei suas mãos geladas e desejei que aquilo a fizesse se sentir melhor. Perguntei se não desejava sair dali. Subitamente, tive vontade de sair contigo e só contigo. De repente, senti que te queria do lado outra vez.
Mas você, assustada, largou minhas mãos. Disse baixinho, pra que ninguém mais escutasse, que eu estava me precipitando. Vi no seu rosto aquela expressão que sempre me fazia mal. Aquela que me informava silenciosamente o quanto eu era previsível, o quanto eu era fácil. Perguntei, já levemente irritada (e chateada) se queria alguma coisa de mim, se eu poderia lhe ajudar. Me respondeu que sim. Abaixou a cabeça e olhou pra baixo, fazendo com que eu me aproximasse aos pouquinhos. "O que?" sussurrei no seu ouvido. E foi então, com um sorriso tímido, que me disse que era só parar de levar-te tão a sério.
E me beijou. De novo assim, como quem não quer nada.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Liberdade poética.

Vamos curtir essa melancolia. Vamos sentar em sua almofada fofa junto ao sofá. Vamos, vem comigo. Aqui ou lá, tanto faz. Não espero mais que a tristeza se vá. Quero agora que saibamos conviver. Quero só deixar de lado esperanças e ilusões. Me afogar, talvez. Me afogar numa reflexão. Viver com a certeza de que a tristeza apenas faz parte. Não quero deixá-la tomar conta. Mas não quero mais me preocupar com sua presença. Xô ansiedade, xô impulsividade. Nada vai ser imediato. Talvez muitas coisas passem até despercebidas. Alguns finais não precisam de ponto final. O eu lírico da vida faz seus versos desiguais e muitas vezes sem sentido, mesmo. Quero saber reconhecer essa tal poesia. Quero rir de seus versinhos e até achar bonito.
Talvez a vida seja injusta. Talvez a vida deixe a desejar. Talvez a vida não faça sentido. Talvez tudo isso, talvez nada disso. Não quero mais coerência. A coerência é uma arte falha. Quero a vida com suas imperfeições. Suas imperfeições é que me encantam. E isso que é realmente difícil de admitir. Seu cabelo desgrenhado que é remexido pelo vento da tarde. O cabelo da vida cheio de vida, cheio de nós e revoltoso.
Vida, sejas ousada. Ouse jogar-me coisas novas, situações diferentes e inesperadas. É só o que te peço. Não quero proteção. Quero uma situação excitante. Desejo, pelo menos, poder cantar uma nova canção. Ou várias, simultaneamente.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Companhia: Solidão.

Às vezes é exatamente a vontade de simplificar as coisas e esquecer os problemas que faz com que ele tenha cada vez problemas maiores. Ele já deixou de reparar erros. Prefere evitar dores de cabeça. Mas reclama então do sinal que fechou. Reclama do som alto do carro do lado. Reclama quando algo quebra. Ou, principalmente, quando algo estava fora do lugar que ele julgasse melhor estar.
A vida é tão difícil, ele pensava. Mas sem olhar para o lado. Agia como se fosse difícil apenas para ele. Como se aguentar aquele sinal e ver seu laptop quebrar no chão fosse um castigo por algum pecado passado. Apesar de não acreditar em deus; na idade em que estava, começava a acreditar que talvez tivesse alguém realmente o punindo. Daí vinha aquele medo, aquele de quem é cético e morre de medo de estar errado.
Algumas coisas ainda o faziam feliz. Adorava cozinhar, por exemplo. Apesar de não ter com quem dividir suas receitas, arrumava a sala, colocava uma vela à mesa e fazia uma quantidade suficiente que servisse para ele durante dois dias. Sentava-se na mesa de jantar sozinho, conversando com a mulher dos seus sonhos. Era alta e madura como Meryl Streep e tinha toda a classe delicada de Audrey Hepburn. Suas duas grandes musas do cinema se juntavam em uma só; e ele ali, com ela. Semana passada tinha almoçado com Ingrid Bergman. Já tinha experimentado também Marilyn Monroe. Mas não havia dado muito certo. Dividir características de duas pessoas e juntar numa só era muito mais completo. E sentia que a combinação tinha sim dado certo. Aquela mulher que ele criara podia muito bem um dia ser sua esposa.
Além da cozinha, lhe agradava também o seu cachorro. Era já bem velho. Como era quietinho, ele sabia relevar a sujeira e os pêlos largados pelo tapete e pelo chão. Era um Schnauzer levemente tosado e bem cuidado. Até tentava brincar com ele de vez em quando. Pegava sua bolinha e jogava longe. Mas quando o cachorro voltava com a bola na boca, ele se sentia enojado e cansado de ter que se curvar pra pegar aquele brinquedo babado. Sentava-se então para assistir televisão. Passava canal por canal sem parar em nenhum. Exausto, acabava dormindo no sofá.
Durante a madrugada, seu cachorro começa a lamber os dedos de sua mão, que estava para fora do sofá. Ele acorda irritado. Briga com o cão. Desliga a TV. Senta-se direito, abaixa a cabeça e aos poucos cria coragem para levantar-se.
Andou devagar até o único espelho pequeno que tem dentro do armário do quarto da sua filha que já morava longe. Olhou-se e viu na sua frente a velhice. As marcas em seu rosto que o tempo não escondia. Virou um velho solitário. Não que um dia tivesse sido muito diferente. Sua solidão sempre foi companheira. Esteve presente desde a infância. Olhando pro quarto de sua menina, que costumava ser tão misteriosa quanto Greta Garbo, pensou se ela também se sentia sozinha. Olhou pro cachorro, já quietinho no canto, dormindo sozinho. A solidão estava em cada canto, a cada passo que dava. Não poderia nunca completar ninguém assim. Seria impossível ajudar sua filha ou seu cão. Ao se aproximar de qualquer pessoa, sentia que inspirava ainda mais solidão. Resolveu então se completar sozinho. E o que fazia, nesses momentos, era colocar um dvd e assistir um filme antigo com Bogart. Preferia os clássicos.
Dormia abraçado com Barbara O'Neil, murmurando canções no seu ouvido. Ia para o trabalho cedo, e resolveu não reclamar para não aborrecer Vivien Leigh, que hoje andava a seu lado. Ela deu-lhe um beijo antes de sair do carro. Ele sorriu. Decidiu ligar para sua filha e convidá-la para viajar mais uma vez à Paris. Queria revisitar o Moulin Rouge. Queria comer no café de Amélie Poulain. Queria passear na cidade como Cinderela. Ver a cidade as escondidas, e conhecer alguém excitante. Encontrar Audrey Hepburn pequena fugindo da sua vida da realeza. Queria... acima de tudo, uma história. Nem que ele tivesse que interpretar dentro dela todos os seus personagens.

domingo, 6 de junho de 2010

Lua e Sol.

Com os olhos marejados de lágrimas, Alice resolveu falar sobre os pensamentos que passeavam dentro de si.
-É que... Pedro, ouço tanto falar sobre o brilho da lua. A luz do luar que vem sempre em meio ao breu. Perguntei a mim mesma se prefiro a lua ao sol... E respondi imediatamente que sim. A luz da lua traz mistério... Mas por mais que seja a única luz que nos ilumina durante a noite, o que não percebemos é que a luz da lua é a mesma luz do sol... Só que disfarçada. Acredito que a lua está para a paixão, assim como o sol está para a felicidade. O amor surge quando, depois de um tempo com o brilho da lua a noite, tentamos virar nosso pescoço e avistar o sol. Pode perder o misticismo, e tudo fica mais direto e claro. O medo que as pessoas sentem é de que a verdade não seja tão agradável. Porque o sol também pode queimar a epiderme e enlouquecer as pessoas, se elas não tiverem qualquer tipo de proteção. Mas também, não é confiável continuar com a cabeça virada a lua... Suas mudanças de fases, apesar de previsíveis, são súbitas.
-Acho que há mais calor na paixão do que no amor, Alice...
-Ah, as pessoas só dizem isso porque as paixões costumam aparecer no frio da noite. E é uma luz desconhecida e única a iluminar a escuridão durante aquele momento. Isso instiga tanto, que as pessoas se confundem. Mas como eu disse, a lua tem fases. E tem fases de todos os lados. Por mais forte que seja, ela some. Pode até voltar. Mas agora, sumiu de mim. Nem vejo mais graça no seu brilho. Para falar bem a verdade... morro de inveja de quem já conseguiu descobrir a luz do sol.

-Você se contradisse, eu acho... Afinal, quer a lua ou o sol?
-Ah, Pedro... Quero os dois, assim... divididos durante as 24 horas da minha vida.

(A lua nunca emitiu luz alguma. A paixão então é só ilusão. E o desejo é, na verdade, uma vontade forte de ver o sol nascer - mesmo que mais tarde anoiteça)

terça-feira, 1 de junho de 2010

Um jardim para uma amizade.

Seu amigo sempre fazia assim: Segurava sua mão e apertava com força. Uma força sólida, cheia de energia. Ela se sentia sempre bem com a aspereza da mão dele, e com a força. Ele a puxava para longe e contava a ela sobre a chuva. Aquela chuva fininha que caía àquela tarde. Cada pingo de chuva, nesses momentos, ganhava novo significado. Eram como os flocos de neve dos desenhos. Ela conseguia ver a olho nu todos os detalhes daquela mínima partícula d'água.
Ele olhava pra ela e via no reflexo dos seus olhos um jardim imenso onde sabia estar construindo uma grande amizade. E então continuavam conversando. Conversavam sobre decepções que ambos tinham. E conversavam sobre o que infelizmente acabavam esperando das outras pessoas. Conversavam principalmente sobre coisas um do outro. Porém nunca sobre algo dos dois; até porque não tinham nada a dizer. Eram almas distantes que se juntavam ao se encontrar. Entediam-se. Conseguiam, ambos, ver e entender o que diziam. Estavam lúcidos. Estavam incrivelmente lúcidos. Enxergavam a realidade claramente, com a ajuda um do outro. Estavam tão cheios de lucidez, que encontravam metáforas para disfarçá-la. Para deixar as coisas mais bonitas.
Aquele aperto de mão e toda a compreensão que existia entre os dois deixava-a calma e mais tranquila. E aí só desejava que a chuva não aumentasse, porque tempestades costumam destruir jardins. Mas aquela chuvinha era mais uma garoa passageira, que por enquanto só ajudava a regar as flores.

Que bom - dizia ela baixinho com o olhar.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Meu pote de geleia vazio eu deixei cair.

O pior é que você não me dá chance de fazer nada além de imaginar. E imagino tanto, tanto! Crio uma fantasia inteira em cima de uma pista que seja. Alice, Alice, te amo. Você veio de longe e surgiu de repente. Nunca imaginei que pudesse existir alguém assim, me fascino. Incrível como é, como pode estar do meu lado por boa vontade? Desde que chegou, me perguntava porquê é que teria surgido tão perto de mim. Mas o que mais me assusta é que tenha continuado nessa posição.
Sei que escreve cartas para o vento. Não as entendo. Tento, mas não dá. Durante todos esses meses intensos que temos passado, eu não consigo enxergar. Ou melhor, enxergo o que eu quero, e você gosta disso. Pena que não eu.

Desculpa

Não queria precisar de certezas. Eu queria saber viver com as mesmas incertezas que te cercam. Eu queria mesmo poder pular na toca do coelho e não me preocupar com a gravidade. Mas eu, infelizmente, sinto a necessidade de ao menos tentar calcular se o destino vale a dor da queda.

No momento, encontro-me indiposta, simplesmente.

domingo, 14 de março de 2010

O Circense.

O movimento deles me encanta. Eles estão preso àquele longo fio, sim. Mas tão fino. Como podem? Como eles conseguem se contorcer e girar no ar sem medo? Será que está além da minha capacidade ou tenho meios de fazer isso também? Porque eu quero, quero sim. Eu quero segui-los na loucura total de ter apenas a mim mesma como ponto de equilíbrio. Quero girar em volta do meu eixo e ver até onde chego. Como eles conseguem? Devem treinar desde moleques. Só? Será só essa a diferença entre eu e esses seres mágicos?
AH! Como eu amo o circo. Não há nada mais lindo que um artista de circo. Eu fico ali embaixo daquela tela com minha cabeça virada pra cima, seguindo seus movimentos. Faço isso desde pequena. Mas nunca tive coragem de tentar. Por que, se eles já dão conta do recado? Melhor não dar voz á minha prepotência e achar que tenho chance. Eles estão acima de mim. Caso contrário, eu não teria nunca virado minha cabeça pra cima. Eu só olharia pra baixo, de longe. Observaria o mundo de outro ângulo. Pelo menos olho pra cima quando estou tão embaixo, penso. Se olhasse ainda mais pra baixo estaria perdida, não daria conta de lidar com a vida.
Minha fuga é o circo. Minha única chance está no circo. Minha vida toda depende do circo. Depende da existência do circo. Depende de cada sorriso, de cada palhaço. De cada longa cordinha que segura aqueles seres (humanos?) pra longe de mim. Se não existissem os artistas de circo, não teria pra onde olhar, não teria pra onde correr.
Mas pra onde os artistas de circo fogem? Enquanto eu limpo as paredes e armo o cenário, a rotina deles é estar no ar, é carregar a alegria de um público empolgado, exigente. Não adianta.. Tudo que vira rotna já não é mais tão mágico. É triste pra mim pensar que vez ou outra tem um equilibrista que devia estar em outro lugr. Afinal, seus filhos crescem, fazem festas, se casam... E os pobres, presos, precisam do palco. Não pra assistir e se deixar levar. Precisam daquilo pra se sustentar. O dinheiro. Será que tira a magia do srtista de circo?
Imagino mesmo que não, ou espero que não. Só o que imagino é que o ar naturalmente já proporciona uma visão melhor, uma grandeza. Estar no ar. Que capacidade incrível. Mas se o ar é natural pra eles, será que eles ficam olhando lá de cima para nós, pensando como é incrível podermos levar nossa vida sem a mágica daquilo? Será que eles percebem o que nós não percebemos? De cima, eles devem ver melhor que nós.
Um chegou pra mim uma vez e riu. Não pude reprovar. Só perguntei "Por quê?" e ele "Vocês gastam seu tempo olhando pra nós, e esquecem de olhar a si mesmos." Fiquei surpresa "Enlouqueceria", eu disse, "Se olhasse pra essa prisão". "Eu passei a maior parte da minha vida olhando para o chão, e nunca enlouqueci. E olha que do ar eu nem consigo perceber toda pétala de flor."