quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Precipitadamente.

Havia uma menina na parada de ônibus. Uma menina quase-loira, quase-baixa, quase-magra. Quase-bonita. Seus olhos indecisos ficavam entre o azul e o verde. Sua boca, entreaberta. Eu, que a olhava de quase-muito-perto, resolvi quebrar barreiras e assumi minha proximidade, para poder melhor narrá-la. Em sua pele branca, vi alguns vestígios de acne que ela deve ter tentado se livrar. Sua roupa, uma rasteira bonita e antiga, um casaco que deve já ter sido incrivelmente atraente um dia. Hoje, desbotado; como o resto da figura inteira de quem vestia.

Ela estava com preguiça. Gostaria de caminhar até a casa do seu tio. Mas preferiu esperar um ônibus e poupar-se do cansaço que uma caminhada lhe traria às pernas naquele momento. Qualquer ônibus que vá até a w3 sul, por favor. Repetia para si mesma silenciosamente. Era um ônibus azul que precisava. Passaram vários amarelos, vermelhos, verdes, e Helena podia jurar ter visto também um roxo, rosa, caramelo… tudojunto. Não sabia bem de onde vinha o delírio. Mas como é que não passava o ônibus que queria?
Certo, pensou ela. Vou esperar mais 5 ônibus, se o 5o vier e não houver sinal do meu, vou-me embora caminhando. E então ela sentou-se. O mundo parecia conspirar contra sua preguiça, pois passou a não enviar mais ônibus quase nenhum.
Sentada, seus olhos passaram a fechar levemente, e incompletamente. E tudo tão cheio de mente assim, inclusive Helena. Começou a sentir-se suja, incapaz. Não conseguia enxergar-se subindo à canto algum. Talvez não conseguisse nada daquilo que ansiava. Nunca fora boa nisso, de qualquer forma. Não achava que seus desejos fossem tão impossíveis para alguma outra pessoa. Mas para ela era distante. Ela olhava pro horizonte dos seus sonhos e conseguia ver-se acordando de um baque na melhor parte da ilusão. E de repente nada mais parecia real. E ela nem mesmo havia conquistado suas vontades ainda.
Pensou também em tudo que teria que lidar na vida. Agora, continuo indo à escola. Acabando esse Ensino Médio, vou tentar entrar para uma faculdade. Depois, trabalho. Isso não era tão aprisionador. Mas imagina se ela tivesse filhos? Imagina ter sua própria casa, ter que pagar suas próprias contas? Se ela mal dá conta de ir caminhando à casa do tio! Ela via-se, já, daqui há 20 anos, sofrendo daquilo que têm chamado de doença… Via-se estressada. Morreria de câncer devido aos seus cigarros múltiplos desde os 16 anos. Se o stress tende a aumentar, ela que não ousaria parar de fumar. Saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos, e enquanto o destino mo conceder, continuarei fumando, dizia ela emprestando-se um pouco de Fernando Pessoa.
Continuou descendo às suas profundezas da mente. Pensou em pessoas e no quão impaciente todas elas se tornaram. Inclusive ela mesma. Relacionamentos virtuais são mais fáceis porque você tem a opção de responder ou não. E você pode mentir, também, sem seus olhares desmentirem. Ai! Ai, não! Mas ela queria um dia escrever um livro! Como poderia, com esse mundo tão perdido? Não tinha vontade de escrever sobre nada que conhecia. E não acreditava em nada que criava. Percebia então como seria mais fácil deixar para os outros, essa coisa de viver.
Mas que camada fina de vácuo começou a tomar conta dela, depois do terceiro ônibus. Fechou os olhos por completo desta vez. Tentou até enxergar qualquer coisa lá dentro. Imaginou-se a si mesma, mas não viu nada. Abraçou-se e encolheu-se, sem apego. Queria apenas ocupar menos espaço daquele mundo terrível.
Passou o 5o ônibus. Era o dela. Resolvi ir avisá-la. Toquei em sua pele, gélida. Ela não se moveu. Foi só quando toquei seu pulso que percebi que já estava morta. Precipitada mente.

Não sei explicar meu desespero, como narradora de figura tão querida à mim, ao perceber que não pude dar à ela outro destino.