sexta-feira, 11 de junho de 2010

Companhia: Solidão.

Às vezes é exatamente a vontade de simplificar as coisas e esquecer os problemas que faz com que ele tenha cada vez problemas maiores. Ele já deixou de reparar erros. Prefere evitar dores de cabeça. Mas reclama então do sinal que fechou. Reclama do som alto do carro do lado. Reclama quando algo quebra. Ou, principalmente, quando algo estava fora do lugar que ele julgasse melhor estar.
A vida é tão difícil, ele pensava. Mas sem olhar para o lado. Agia como se fosse difícil apenas para ele. Como se aguentar aquele sinal e ver seu laptop quebrar no chão fosse um castigo por algum pecado passado. Apesar de não acreditar em deus; na idade em que estava, começava a acreditar que talvez tivesse alguém realmente o punindo. Daí vinha aquele medo, aquele de quem é cético e morre de medo de estar errado.
Algumas coisas ainda o faziam feliz. Adorava cozinhar, por exemplo. Apesar de não ter com quem dividir suas receitas, arrumava a sala, colocava uma vela à mesa e fazia uma quantidade suficiente que servisse para ele durante dois dias. Sentava-se na mesa de jantar sozinho, conversando com a mulher dos seus sonhos. Era alta e madura como Meryl Streep e tinha toda a classe delicada de Audrey Hepburn. Suas duas grandes musas do cinema se juntavam em uma só; e ele ali, com ela. Semana passada tinha almoçado com Ingrid Bergman. Já tinha experimentado também Marilyn Monroe. Mas não havia dado muito certo. Dividir características de duas pessoas e juntar numa só era muito mais completo. E sentia que a combinação tinha sim dado certo. Aquela mulher que ele criara podia muito bem um dia ser sua esposa.
Além da cozinha, lhe agradava também o seu cachorro. Era já bem velho. Como era quietinho, ele sabia relevar a sujeira e os pêlos largados pelo tapete e pelo chão. Era um Schnauzer levemente tosado e bem cuidado. Até tentava brincar com ele de vez em quando. Pegava sua bolinha e jogava longe. Mas quando o cachorro voltava com a bola na boca, ele se sentia enojado e cansado de ter que se curvar pra pegar aquele brinquedo babado. Sentava-se então para assistir televisão. Passava canal por canal sem parar em nenhum. Exausto, acabava dormindo no sofá.
Durante a madrugada, seu cachorro começa a lamber os dedos de sua mão, que estava para fora do sofá. Ele acorda irritado. Briga com o cão. Desliga a TV. Senta-se direito, abaixa a cabeça e aos poucos cria coragem para levantar-se.
Andou devagar até o único espelho pequeno que tem dentro do armário do quarto da sua filha que já morava longe. Olhou-se e viu na sua frente a velhice. As marcas em seu rosto que o tempo não escondia. Virou um velho solitário. Não que um dia tivesse sido muito diferente. Sua solidão sempre foi companheira. Esteve presente desde a infância. Olhando pro quarto de sua menina, que costumava ser tão misteriosa quanto Greta Garbo, pensou se ela também se sentia sozinha. Olhou pro cachorro, já quietinho no canto, dormindo sozinho. A solidão estava em cada canto, a cada passo que dava. Não poderia nunca completar ninguém assim. Seria impossível ajudar sua filha ou seu cão. Ao se aproximar de qualquer pessoa, sentia que inspirava ainda mais solidão. Resolveu então se completar sozinho. E o que fazia, nesses momentos, era colocar um dvd e assistir um filme antigo com Bogart. Preferia os clássicos.
Dormia abraçado com Barbara O'Neil, murmurando canções no seu ouvido. Ia para o trabalho cedo, e resolveu não reclamar para não aborrecer Vivien Leigh, que hoje andava a seu lado. Ela deu-lhe um beijo antes de sair do carro. Ele sorriu. Decidiu ligar para sua filha e convidá-la para viajar mais uma vez à Paris. Queria revisitar o Moulin Rouge. Queria comer no café de Amélie Poulain. Queria passear na cidade como Cinderela. Ver a cidade as escondidas, e conhecer alguém excitante. Encontrar Audrey Hepburn pequena fugindo da sua vida da realeza. Queria... acima de tudo, uma história. Nem que ele tivesse que interpretar dentro dela todos os seus personagens.

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