sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Epidemia

Meus olhos abriram aquela noite sem sentido. Olhei para cima e via a sombra do ventilador de teto que deixara ligado antes de dormir, para espantar os mosquitos. Estava há quilômetros de distância da cidade. O único som que eu escutava era o coachar de um único sapo abaixo da janela. O breu cobria minha visão, mas nele eu descobria todas as outras coisas. Lancei um olhar acolhedor para o escuro, que me traiu. Enviou-me um vento frio pela brecha da janela, e um sopro de dor da ventania nas árvores. Cobri-me com mais cobertas. Sussurrei de fininho “Tem alguém aí?” assustada. Mas seria impossível qualquer resposta. E aí até perguntei-me se me assustava o fato de que poderia ter alguém ali, ou o fato de não haver ninguém. Difícil escolher entre ausência e presença. Estava eu ali, sozinha, completava um ano inteiro. Dormindo todos os dias naquele quarto escuro, à luz de velas que eu arranjei antes da viagem. Meu laptop ao lado, para esboçar algumas palavras. Se nada sobrar do meu corpo, que pelo menos alguns escritos comprovem a minha existência.
Por que viajei? Essa pergunta me assombrava a toda hora. Sei bem que o que me trouxe aqui foi a epidemia. Não podia mais observar o sofrimento alheio, pois aos poucos fui deixando-me enfraquecer. Não pagaria psicólogo algum pra descobrir em mim uma doença óbvia. Não tomaria remédios. “O mundo contamina”?. Está bem. Sairei então disso que chamam de mundo. Me afastei então da sociedade. Essa depressão passeia devagar por todos nós. Fazendo-nos pensar em ideias inventadas e conceitos cheios de valor. Não quero valor. Quero só existir de longe. Minha cabeça e até onde ela pode ir é a única coisa que me fascina. Nunca meditei, nunca participei de ritual algum. Minha onda é com minha mente ativa. À loucura. Conversar sozinha é meu maior prazer.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Aquário.

Quando criança, ela gostava de imaginar que vivia dentro do globo. Na verdade, as manchas azuis dos globos terrestres da escola eram céu, e não mar. O tempo foi passando, e aos poucos parou de esconder-se dentro de uma bola limitada e pôs-se a aprender a se equilibrar com a gravidade. Tinha coisa além do céu. Descobriu que na verdade vivíamos soltos. E que alguns homens de longe já tinham escapado da gravidade. Então foi perdendo em si a capacidade de enxergar limites bem estabelecidos, já que, ao que parece, estamos sempre tentando ultrapassa-los. Conseguimos ver o planeta circular, e conseguimos ir à lua, e conseguimos uma maneira de comprar cerveja aos dezesseis.
O único limite do qual nunca poderia escapar era si mesma. E observando o peixinho dourado no seu quarto, percebeu que toda sua prepotência é a sua forma de bater a cara num vidro transparente e aparentemente infinito, e enxergar apenas seu próprio reflexo.

Falta descobrir por onde é que o oxigênio entra nesse aquário.

sábado, 11 de dezembro de 2010

A minha pornografia.

Eu quero te explicar a reviravolta que trás contigo e confunde meus sentidos. Consigo entender os nossos olhos fechados durante o beijo. Teus lábios fazem crescer em mim um outro estágio. Posso agora acreditar que fecho os olhos e não sonho mais sozinho. Posso imaginar você comigo percorrendo o espaço. E confundir mente e corpo. Oceano e saliva. Posso abraçar sua cintura, e leva-la comigo para o alto, no topo de uma escada camuflada no ar.
A visão não faz mais sentido. Não compartilhamos mais um mundo que precisa ser visto. O mundo é que compartilha nosso momento. Ou nem isso. O mundo nos reserva privacidade. Nem o mais belo tom de vermelho de uma tulipa solitária na neve. Nem um floco dessa neve. Nem seu olhar coberto, nem o meu. Nada vem nos interromper. Estamos no ar, no espaço, nas estrelas. No infinito.
E estamos sendo assistidos. Porque não há nada mais belo de se observar do que uma performance envolta de amor.