sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sem título.

-Obrigada, viu?

E então saiu do táxi. Dirigiu-se para o portão do apartamento, mas parou. Não dava mais para andar, suas pernas se moviam batendo os joelhos, o que lhe proporcionava uma dor aguda, talvez inexistente. Só sabia que não dava mais. Sentou-se. Pegou sua bolsa e revirou-a. Suspirou quando finalmente encontrou seu maço de cigarros. Estavam amassados e meio sujos, fazia tempo que não fumava. Mas agora parecia quase essencial. Pena que o cigarro lhe trazia tantas lembranças, boas e ruins. Ela era sempre muito nostálgica, costumava viver no passado, mesmo.

Sentia em si todas as peças de Shakespeare amontoadas, comédias e tragédias. Principalmente as comedias em que ela era o palhaço. Quanto às tragédias, guardava para si: Aquelas mortes repentinas, e os amores destrutivos. O que lhe afligia, no entanto, era sua estupidez. Não a estupidez que sabia existir. E sim aquela que imaginava que percebiam nela. Aquela que saia dela sem querer, a fim de esconder a estupidez real. O que é real, afinal?

Aquelas pessoas no bar eram reais? Será que Gustavo estava mesmo tão feliz com aquela sua namorada controladora e intolerante? Nadia se preocupava com isso. Gustavo era seu amigo a tempos, sem motivo. É. Sem motivo algum. Afinal, Nadia nunca se sentiu parecida com Gustavo em quase nada. Quando Gustavo a dizia que eles eram amigos assim justamente por todas as semelhanças que tinham, Nadia ficava calada. Talvez, diferente dele, ela nunca achou que encontrar semelhanças em alguém é o que fazia a grande amizade. Na verdade, Nadia tinha perfeita consciência que eles só continuavam amigos graças à paciência dela de suportar exatamente as diferenças. Prova de amor que nenhum par de amigos conquista fácil quando as semelhanças chegam em demasia.

Mas cansara-se. Não aguentava mais vestir-se e agir conforme um grupo. Cansara-se das pessoas do bar. Nadia não dava mais ouvidos pros mini-dramas-amorosos de Renata com a namorada. Ela se irritava profundamente sempre que Rafael fazia mais uma daquelas piadas imbecis e bobas que todo mundo já conhece e não cansa de repetir e de rir. De novo, e de novo. Mal suportava Juliana falando do quanto tem que estudar, e do quanto odeia tudo e todo mundo. O que fizeram pra ela? NADA, repetia Nadia na sua cabeça. Juliana era uma boba. Boba, sim, pois só sabe reclamar e tem tudo o que quer, sempre. E Gustavo... ah, e agora Gustavo arranjara essa namorada que irritava Nadia apenas com a presença.

O céu agora estava tão bonito. A lua brilhou dentre as nuvens escuras da noite. E Nadia sentiu-se livre. Quase esqueceu seu ceticismo e tentou conversar com deus. A luz do luar estava mais dourada do que era de se esperar. E a enrolava. Nadia parou de pensar por um minuto. Sentiu-se livre, pra ir até onde quiser. Reabriu os olhos quando um homem com um cachorro passou por ela com um sapato pesado. Então pensou que ela mesma estava se acorrentando. Ela mesma estava se fazendo dependente de pessoas que não a deixavam feliz. Ela que deu valor a exatamente essas pessoas. E por quê? Não podia responder direito. Talvez viver de aparências fosse inicialmente mais simples. E só com o tempo é que pôde aprender que também complicava mais ainda as coisas. Citando Fernando Pessoa:

"Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me."

Esse era o poema preferido de Nadia. Essa parte, especialmente, repetia para si mesma agora. Perdera-se. E alguns caminhos não teem volta. (será?)

-Bom, pelo menos ela pensava assim na hora... Eu decidi não interferir com minha opinião.Fazer isso seria como trair a veracidade dos fatos. E Nadia é tão real quanto você. E merece ter seus próprios pensamentos e princípios. Aliás, você também.

Foi aí que pensou que talvez todos no bar estivessem até mais perdidos do que ela.E naqueles dois anos que conviveu com eles... surpreendera-se: Não fazia a menor ideia de como abordar esse assunto com algum deles. Que grande amizade, pensou.

"Você precisa se perder
Para se encontrar"

Então, Nadia foi atrás de tudo o que gostava de verdade, foi atrás de livros que sempre teve vontade de ler e ligou pra pessoas que há tempos não ligava. Decidiu nunca mais prender-se a ninguém, além de, quem sabe, um futuro grande amor. E mesmo assim, tomaria cuidado pra não pisar em falso. Amava seus amigos do bar. Amava-os mais do que eles podiam imaginar. Afinal, largou sua vida no canto pela presença falsa de cada um deles. E não deixou de sair com eles. Na verdade, tudo ficava melhor agora quando todos estavam juntos. Pois Nadia tinha na cabeça que talvez, apesar de qualquer aparência, ela fosse a mais livre dali. E em algum momento, esperava, eles se dariam conta da prisão a qual estavam se guardando.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

-Daniel, sabe aqueles sonhos que te dão vergonha de ter sonhado?
-Hahaha, como assim, Clara!
-É, é! Você sonha com o rosto de alguém e depois meio que perde a vontade de ver essa pessoa pra sempre, porque por mais que tenha sido apenas um sonho, você não aguenta encará-la sem lembrar de tal quimera?
-Hum... sei sim como é.
Ela sentia um pouco de descaso na sua voz, e ficou chateada que ele não a ouvisse curioso. Resolveu continuar.Estava ansiosa e muito angústiada, e na verdade nem se importava muito se ele a escutava com descaso ou não.
-E é engraçado, porque de repente essa pessoa te manda um e-mail, e você fica feliz sem saber porquê. Por que.. se fosse como no sonho, você teria motivos pra se sentir feliz. Mas a realidade depois aparece como uma palavra fria e te derruba de levinho, e aos poucos você dá ainda mais força à ilusão. À fim de esquecer a realidade que machuca.
-Fico tentando imaginar quem foi que te deixou assim...
-Isso pouco importa. O que importa, Daniel... É que se a gente deixar a ilusão se dar como certa, tudo acaba ficando pior ainda. Mas...
Não conseguia encontrar mais palavras para dizer. Era complicado, e talvez Daniel não entendesse nada.
-Mas... ?
-Mas não há verdade e mentira, cheguei à essa conclusão. Nossa alma, nosso espírito, ou seja lá o que for... Trai fácil. Às vezes trai à vontade sem nunca ser descoberto. E me pergunto... porque ainda nos preocupamos.
-Nos preocupamos?
-É sim.
-Clara, nos acostumamos com isso, sabe? Não queremos ser traídos num sonho, mas isso não podemos controlar. Agora, ser traído no que dizemos "realidade". Sei lá... Pode-se controlar, e esperamos que se controlem, entende? Eu espero isso de você, assim como você espera de mim.
-Daniel...
-O quê?
-No sonho, eu sabia que tinha um namorado. A diferença é que lá, a oportunidade bateu à minha porta.