sábado, 4 de outubro de 2008

Vento. (porque não precisa de nada além disso)

   Naquele dia a nostalgia já havia tomado conta de mim desde o início da manhã. Trouxe-me uma alegria triste, um otimismo desesperador, que me deixava dúvidas se era real ou não. Estava bem, assistindo TV com meu irmão na sala. Nós dois juntos no mesmo cômodo era uma coisa bem rara desde que ele completara 15 anos. Agora, quem estava com 15 era eu, e queria fazer as coisas de um jeito diferente. Apesar de não termos nos falado muito, as poucas palavras trocadas valeram muito mais que o silêncio, e renderam vários sorrisos.

   Eu estava ali, já agoniada, quando o interfone tocou. Era o Alan, falando para eu descer. Quanto tempo não o via! A saudade era imensa e minha empolgação também. No meu quarto coloquei uma roupa quente para a ventania que estava do lado de fora, e desci para dar um abraço em Alan. No elevador, comecei a pensar que ele podia ter algo com ele que me tiraria essa sensação monótona de felicidade, estava pronta para me divertir, para rir alto e voar, se pudesse. Um pouco de vodka, talvez?

   Abracei-o como havia planejado, e ele retribuiu do jeito que eu havia imaginado. Trocamos palavras amigáveis e logo eu quis saber o que ele estava fazendo por ali. Ele me disse que estava esperando sua mãe, que tinha ido comprar umas roupas ali perto. Ao tomar consciência da brevidade daquela visita, segurei suas mãos e puxei-o até um gramado entre a minha quadra e a do lado. Nós nos sentamos, e o vento aos poucos nos fez levantar a cabeça, como se tivesse pedindo permissão para passear por nossos cabelos. O cabelo de Alan é loiro e longo, um pouco abaixo dos ombros; o meu era um pouco mais curto, e bem liso, ia para o alto, e os fios seguiam uma sincronia que pareciam estar sendo penteados pelo ar! Nós nos levantamos e abrimos os braços, como se nossa mente fosse uma só.

     -Vamos girar? – Alan me perguntou sorrindo.

   Eu não respondi, só segurei firme suas mãos, e comecei a girar loucamente, conseguimos nos manter em equilíbrio por muito, muito tempo. Estávamos ali mesmo, entre duas quadras, perto de várias calçadas aonde as pessoas iam e vinham da parada de ônibus. Não sei se olhavam para a gente... Eu não estava nem um pouco interessada em olhar para elas, de qualquer jeito. Havia algo bem mais importante acontecendo. O vento abraçava a gente, nos sustentava, até que nos soltou, e caímos na grama, rindo tanto e tão alto, como se nunca tivéssemos nos sentido melhor.

     -Alan, isso é incrível! Por que a gente nunca tinha feito isso antes?

    Ele não soube me responder. Ao invés disso, começou a correr e me fez segui-lo. De repente, me puxou para outro abraço, e falou que ia encontrar sua mãe na comercial.

     -Tá bem, então vai lá. Bom vento!

     -Ótimo vento pra você, também! Te amo!

   Então ele foi embora, e eu segui para casa. No caminho, me senti grande, e tão, tão bem, que achei que nada mais poderia me abalar. Fiquei ainda com aquilo em mim, até que olhei no relógio e eram 16:01:36.

 (Bom, pelo menos até ali, realmente nada mais me abalou.)

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Por um final mais triste e poético.





     -Você algum dia irá me perdoar?

     -Perdoar? O quê?

     -Por não ter conseguido ser tudo o que eu deveria ter sido com você.

     -Valéria, não comece...

     -Vá em frente, pode começar a me acusar de fazer dramatizações demais e te irritar com elas. Mas não ligo mais. Está tudo acabado, eu estou terminando com você! E eu agora posso me sentir livre pra dizer tudo que eu sempre quis! Bruno, você me decepcionou. Você me fez sentir especial, e depois me levou pra longe com um peteleco suave... Mas sabe, eu já estava tão leve, que não precisou mais que isso. A culpa é toda minha, todo mundo sempre me disse que eu era distante, que eu era insensível e muito dura com você... Quando eu te disse isso, faltou jurar de joelhos que isso não lhe parecia certo, que estavam errados, e que nós dois valíamos muito mais que opiniões bobas de pessoas tentando julgar minhas atitudes. Eu lembro de você me dizer que gostava até disso em mim, que gostava de mim em tudo, que me amava como nunca amou nenhuma outra mulher! E... depois de alguns meses...olha só como você faz, olha só como reclama! Como não pára de reclamar das mesmas coisas que um dia apenas faziam parte da pessoa a qual amava. Eu não posso agüentar isso... Você não me ama mais, admita. – respirou, Bruno a olhava já com lágrimas nos olhos – Essa falta de esperança de te manter junto a mim me liberta até... Nossa!

     -O quê? Que foi?

   Valéria passou da tristeza à neutralidade no olhar; olhava para um ponto fixo na parede, mas enxergava uma tempestade de ondas turvas se aproximando.

     -Bruno! Bruno! Me abraça! – exclamou como quem pede proteção.

   Bruno lhe deu um abraço terno. Valéria sentia suas mãos passeando por seu corpo, suavemente, e desejou não sair dali nunca mais. Ela se perguntava se ele também se sentia bem ali, queria que ele a beijasse e que os dois voltassem a fazer sentido juntos.

   De repente, o telefone tocou e ele foi atender. Andou triste, e atendeu ao telefone com uma voz cansada. Valéria pensou em segui-lo e abraçá-lo, depois conversariam calmos, e ele voltaria a amá-la. Mas ao invés disso, ela lhe beijou no rosto, sussurrou algumas palavras doces, abriu a porta com a cópia da chave que tinha, saiu da casa de Bruno, e não voltou... O arrependimento a matou mais tarde.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Dança das cadeiras

Ela não entendia... Bem no meio da brincadeira, vinham e mandavam que saísse dali, porque a música iria recomeçar.

-Mas, por quê?

-Porque...  Porque... Todo mundo deve se mover, oras. É a regra.

-Mas é que se toda vez eu tiver que me levantar, e começar de novo, você não imagina como fica meu coração! Fica tão apertado que quase explode! Eu não gosto da ansiedade de começar um jogo novo, sendo que eu ganhei esse daqui... Ou pelo menos não perdi. Eu quero continuar aqui. Essa cadeira é boa. Não fiquei de fora, e era só isso que eu queria... Sabe, algum dia com certeza vou me cansar desse lugar! Canso-me rápido das coisas. Mas eu quero poder me cansar. Quero sentir vontade de começar de novo, e não sair à força. Até aquela agonia de largar algo que gosta por simples cansaço, eu quero pra mim. Faz parte dos meus desejos: ter controle da minha vida. É tão difícil assim entender que só quero controlar minha vida? Sai daqui, não quero saber quais são as suas regras. As minhas são essas. E a MINHA vida eu vivo do MEU jeito.

-Ótimo, então vou te tirar do jogo!

-Mas eu não quero parar... Por que você vai fazer isso?

-Olha a sua volta... Todo mundo quer brincar. Não vou sacrificar a brincadeira deles pra você ter uma exclusiva! Ou você joga dentro das regras, ou pára de jogar.

-Parar de jogar... Simples assim?

-Aham. É só se levantar e sair da roda... Por ali.

Ela olhou por entre ombros onde seu dedo apontava, e só via pessoas, muitas delas, protagonistas e figurantes daquela grande festa. Não havia nenhuma brecha naquele muro de gente... Foi aí que entendeu tudo. Levantou-se então, e jogou como todos os outros. Um dia, se criasse coragem, poderia largar a roda. Mas... Sem pressa. As regras nem pareciam mais tão ruins.

Agora

Eu ando, mas não saio do lugar. Penso, vôo longe, mas meu corpo continua aqui. Passo por lugares conhecidos, e me perco. Sonho com o depois. Sei que o enquanto do depois será agora. Um agora agradável. Que me faça esquecer este. E o agora de agora, depois, será passado. Deixaria me iludir. Ficaria a pensar no eterno. Mas por dentro sinto algo que me impede de esquecer que o depois acabará, e que no amanhã do depois terei de voltar ao meu agora do passado.

domingo, 1 de junho de 2008

Uma voz texturizada.

Sentiu-se contente por ter encontrado tamanho talento enquanto andava pela rua. Aquela menina teria no máximo uns oito anos, imaginou. Ela cantava como um pássaro preso, triste. Nunca imaginou que uma criança pudesse sentir tamanha emoção, e transformar em algo tão impactante. Virou-se de frente à ela, que não estranhou, e continuou a cantar, com a cabeça virada para a grama do chão, e as mãos brincando com um galho de árvore distraidamente.
-Onde aprendeu a cantar assim, desse jeito tão lindo?
Ela se assustou, e o galho caiu de suas mãos. Não se levantou, só olhou para cima com seus olhos grandes. Quando observou Regina, acalmou-se. Afinal, Regina era uma moça aparentemente bem normal, não tinha do que correr.
-E tem como?
Regina deu um sorriso grande à resposta da menina
-A aprender cantar? Sim, claro.
A menina deu um sorriso curto, e virou a cabeça para a grama novamente. Ela agarrou os galhos, e começou a esfregá-los um no outro. Regina abaixou-se, à altura dela.
-Você não vai mais cantar?
A menina olhou bem para os olhos de Regina.
-Quem é você?
-Sou só alguém que passava por aqui, e se apaixonou pela sua voz. Você não devia desprezar uma fã.
A menina virou o rosto, evitando o olhar de Regina; e levantou-se em direção à porta de sua casa. Regina ficou tão desconcertada, que não se moveu. Ficou sentada na calçada, pensando que havia assustado a menina do modo o qual chegou. Começou a olhar para a grama, colocou sua mão em uma das folhas e sentiu a aspereza, depois forçou a mão para baixo e sentiu sua maciez. Seu tronco lentamente deixou-se deitar ali mesmo. Da cintura para baixo, cimento; da cintura para cima, a terra nua a carregava. Fechou os olhos, e ficou ali, sentindo o sol queimar sua pele.
-Licença, senhora. Minha irmã contou que você veio falar com ela e...
Era a voz de um homem, um homem jovem. Regina abriu os olhos e logo levantou-se.
-Só comentei que cantava muito bem. Eu estava passando e a ouvi.- como ele permaneceu calado, Regina continuou - Já pensou em desenvolver um conhecimento musical para ela? Talento asseguro que ela tem.
-É, ela sempre gostou muito de cantar... Mas não acha que está exagerando?
-Exagerando? Sou professora de canto.
-Professora? Nossa...
-Qual é seu nome, rapaz?
-João, e o seu?
-Regina, prazer.
-Prazer. Espera que eu vou chamá-la pra vir pra cá.
Regina observou-o ir até a porta, e chamar por Laura. Logo depois apareceu com a menina do lado, dessa vez ela olhava bem para Regina, e parecia envergonhada pelo último encontro entre as duas.
-Seu nome é Laura, não foi o que ouvi?
-É sim.
-Você gosta de cantar, seu irmão me falou.
Laura então só concordou com a cabeça.
-João, seus pais estão em casa? Gostaria de sair com vocês para conversarmos. Laura, gostaria que eu te ajudasse com algumas aulas de canto?
Laura não pôde esconder o sorriso.
E assim Regina foi com Laura, João e Denise (A mãe deles) a um lugar onde podiam se sentar, e conversar. Denise não cansava de dizer o quanto se sentia surpresa, e orgulhosa. Laura passou a observar Regina, mas continuou calada na maioria do tempo. Regina prometeu à família aulas gratuitas especiais à Laura. Acreditava de verdade que com o tempo, ela só viria a melhorar mais e mais.
Denise convidou-a para ir a casa deles no dia seguinte, para ouvir Laura. Laura animou-se timidamente, via em Regina uma possibilidade, gostava de sentir aquilo. Resolveu então passar a noite treinando. Escolheu a roupa que ia usar, e dormiu escutando um cd antigo de uma cantora francesa que sua mãe guardava na prateleira. De manhã, sua mãe a ajudou a escolher uma boa música. Juntas decidiram pela voz suave da Marisa Monte cantando “Vilarejo”. Enquanto isso, Regina guardava na memória a letra nada grandiosa de uma música infantil que Laura transformara com sua voz no dia anterior.
Quando Regina chegou, Laura quis cantar logo. Regina conseguiu se lidar bem com a timidez dela, dessa vez, e tirou uns bons risos daquele rostinho angelical. E quando Laura cantou, Regina deixou uma lágrima discreta cair. A voz inocente e bem afinada de Laura a fazia sentir toda a essência da letra com muito maior veemência.Tocava dentro dela, sentia-se abraçando a canção, pois cada nota penetrava sua mente. Foi nessa hora que João e Denise prestaram atenção. Foi a primeira vez que conseguiram reconhecer o talento da mais nova da família. Para você sentir algo, deve estar livre para que isso te conquiste. E qualquer um que fizesse isso, facilmente se apaixonaria por Laura.
Foi aí que se lembrou da primeira coisa que Laura havia dito à ela “E tem como?”. Não, não havia como. Laura não podia aprender a cantar porque inclusive ela mesma já sabia do seu talento. Ela nasceu com isso dentro dela, e sentiu-se segura para mostrar isso, quando finalmente percebeu uma oportunidade para se libertar. Regina soltara o pássaro da gaiola, que agora cantava feliz, e sem desafinar.

terça-feira, 29 de abril de 2008

O telefone, as uvas e o scarpin

Ao chegar, tirou aquele scarpin desconfortável e colocou uma camisola de seda lisa e macia. Com os pés nus, pôs-se em pé no chão. Que sensação diferente da que sentira durante os últimos dias! Os pés nus lhe traziam um prazer que nenhum salto alto jamais poderia substituir. Nessa hora, se perguntou por que ainda tinha aqueles 20 pares de sapatos no armário. Ela sentiu vontade de voltar à fazenda da sua avó, a qual não visitava há mais de oito anos. Tal momento nostálgico fez com que ela se lembrasse das correrias naquela grama confortável. Que saudade, ah, que saudade!
Saudade não serve; saudade não satisfaz; saudade não dá dinheiro. Foi aí que ela deixou a saudade de lado, com um “foda-se” bem gesticulado, e caminhou até o telefone. Ela bem sabia que ele não atenderia. Mas não custa tentar. Discou seu número pela décima vez naquela noite.
Que erro! Ao ser ignorada mais uma vez, sentiu-se bem pior. Talvez devesse dar mais ouvido ao seu orgulho, e aprender a dizer “não” de uma vez. “Se você sabe que alguém vai te ignorar, nem puxa papo. Porque senão você acabará se sentindo pior, sua burra.” Ditou a si mesma sua nova regra. Com quem ele estaria? Ah, nunca descobriria, no meio daqueles mistérios que ele adora esconder (dela). Sentia-se injustiçada e enganada. E num momento desses, não dava mais, entregou-se ao álcool.
O vinho. Ah, que maravilha que é o vinho. Esse sabor... hummm. Sentou-se na cama, com uma garrafa de vinho argentino na mão. Sentia o sabor da uva, e, lentamente, o álcool foi liberando sua emoção. Uma lágrima foi derramada, seguida de várias outras.
Só quando o telefone tocou que ela foi perceber que havia terminado com a garrafa inteira. Ela foi atender de imediato. Talvez fosse Álvaro, se desculpando. Seu coração já ia se enchendo com uma emoção bêbada de uvas, quando ouviu pelo telefone uma voz feminina. Lorena estava nervosa. E repetia sem parar que ela deveria ir se encontrar com o Daniel no escritório o mais rápido possível, pois havia um problema com a roupa que ela (Lorena) teria de usar na passarela no dia seguinte.
Sua cabeça zuniu. Não sabia se podia ir atrás de Daniel daquele jeito. Foi até a cozinha e se entupiu de água. Correndo, foi ao seu quarto e vestiu um vestido xadrez com um chapéu militar. E, com um colar gigante pesando o pescoço e um cinto marcando sua cintura, olhou para o scarpin jogado no chão. “Não, não combina.” Pensou. Colocou então uma bota com salto, e foi.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Questão de percepção.


-Ei, sinhora. Qué que eu limpe as janela do carro pr'ocê?
Adriana segurou-se para não ser mal-educada. Não se importava em ser abordada por um flanelinha na rua, mas erros de concordância gramatical numa frase a irritavam profundamente.
-Gostaria que você as limpasse sim, obrigada. Mas posso lhe chamar atenção numa coisa?
-Que quié?
-"Quer" é verbo no infinitivo, terminado em "er", e o "erre" deve ser pronunciado conforme as formalidades da nossa língua, o português, sabe? Você também deve ficar atento quanto ao uso do plural. Deve colocar o "esse" no artigo e no substantivo, para ficar certo, entende? Senão não há concordância! Outra coisa, é extremamente mal visto o uso de "ocê"; quando se mistura com o "pra", então... Olha, a pronúncia é tão importante quanto a escrita. Para causar uma boa impressão, é imprescindível falar bem e corretamente. Juntar palavras precipitadamente, cortar letras, ou a falta de atenção com a concordância em uma frase são erros gramaticais terríveis, mas que podem ser consertados com um pouco de esforço.
O flanelinha olhava para Adriana perplexo, mas parecia não ter absorvido nem metade do que ela havia dito.
-Muito obrigado, senhora - Disse ele tentando não errar - Será que você...
Adriana o interrompeu.
-Se te desculpo?! Mas é claro que sim! Afinal, sei bem que a culpa não é sua, e sim da falta de escolas públicas de qualidade nesse nosso país...
-Muito bunito isso. Mas eu ia é preguntá si ocê pudia me arranjá cumida. To com uma fome...