segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vicioso.

Você se aproximou depois de perceber meus olhares de desejo. Você chegou como quem já sabe bem o que quer. Ainda que essa certeza jamais racionalizasse dentro de si. Sorria das minhas retribuições tão singelas. Esforçava-se a mostrar-se forte. Mas às vezes começava com um discurso que não sabia pra onde ia, nem de onde vinha. Me enchia de palavras pesadas, que juntas não diziam coisa alguma. Eu me esforçava a compreender, a relevar, e a crer que com o tempo te entenderia. Eu cria que o tempo viria.
Você ali, no palco. Você, de novo. Você, com uma voz ardente, com os lábios quietos. Você, ora ruiva, ora morena. Você, às vezes com seus cabelos longos. Mudava a cor dos olhos. Trocava constantemente de nome. De gostos, de sabores, de jeitos. Mas continua sendo você que, com o poder do toque, ao encostar em meu ombro e virar a beirada do seu rosto em minha direção, me encantou. Que ao cantar uma canção francesa para centenas, sem perceber minha presença, derrubou-se em mim. Um encontro casual. Te conheci de novo. Já sentia sua falta. Seu toque. Sua voz. Sua casualidade. Sua intensidade. Não me surpreendi ao perceber que acabava de deparar-me com um novo amor.
Mas chega uma outra voz. Uma voz interna, terrível, verdadeira e contemplativa, me dizendo que talvez não fosse amor novo coisa alguma. Disse-me que talvez fosse apenas lembrança de amores passados. Irrelevante. Mesmo meus amores passados tinham qualquer coisa de inconveniente.

Não temo meter-me em bolas de neve. Meu medo é que o tempo, de novo, não chegue.

sábado, 18 de setembro de 2010

Montanha-Russa.

Busco qualquer tipo de conforto em casa. Acolho-me no meu ninho, dentro daquilo que acostumei-me a chamar de lar. Como chocolates que vêm me dar prazer. Me ajudam a controlar a dor. A dor que é (e)terna e sumirá no fim do dia.
Não tenho coragem de abrir a porta de casa, nem de dar às caras para a vida. O medo de me cortar com farpas e arames mal colocados lá embaixo me faz retroceder. Para onde é que não sei. Já dói muito por aqui, sozinha e presa à mim mesma.
Sofro a vida. Agora. Com intensidade nos sentimentos que tenho e que devo largar. Mas o Sentir já é conhecido de mim. Parece até mais fácil, mais simples. Deixá-lo comigo e caminhar com ele. Entrego-me à dor com a facilidade de uma criança descuidada. E sinto-me assim exagerada também aos meus prazeres. Desejos me vêm a todo tempo. Instáveis. Fortes. Quero agora isso. Para meu desespero, nada mais suprirá, e Isto está em falta no mercado ao lado.
E ontem eu estava feliz. Hoje acordei com insuficiência de consciência. Depois, me vi a sorrir na sua frente. Agora, isolo-me e não quero ninguém mais. Mais tarde, tenho certeza que vou dançar. Em qual sentido, não posso prever.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O casamento mais perturbado.

Acredito que entendi finalmente de onde vêm essas nossas crises e nossas insatisfações com nós mesmos. Você adora repetir-me que o problema de um casamento é o excesso de convivência. Ficamos conhecendo manias irritantes e humores desagradáveis da pessoa que amamos, e nos aborrecemos. Então é óbvio, afinal, que acabamos nos aborrecendo com nós mesmos com tanta frequência. Conviver 24 horas com a mesma pessoa desde o início da vida e se conhecer tão bem assim não podia ser menos desgastante. E não há auto-estima que não se confunda ao lembrar da impossibilidade do divórcio.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Precipitadamente.

Havia uma menina na parada de ônibus. Uma menina quase-loira, quase-baixa, quase-magra. Quase-bonita. Seus olhos indecisos ficavam entre o azul e o verde. Sua boca, entreaberta. Eu, que a olhava de quase-muito-perto, resolvi quebrar barreiras e assumi minha proximidade, para poder melhor narrá-la. Em sua pele branca, vi alguns vestígios de acne que ela deve ter tentado se livrar. Sua roupa, uma rasteira bonita e antiga, um casaco que deve já ter sido incrivelmente atraente um dia. Hoje, desbotado; como o resto da figura inteira de quem vestia.

Ela estava com preguiça. Gostaria de caminhar até a casa do seu tio. Mas preferiu esperar um ônibus e poupar-se do cansaço que uma caminhada lhe traria às pernas naquele momento. Qualquer ônibus que vá até a w3 sul, por favor. Repetia para si mesma silenciosamente. Era um ônibus azul que precisava. Passaram vários amarelos, vermelhos, verdes, e Helena podia jurar ter visto também um roxo, rosa, caramelo… tudojunto. Não sabia bem de onde vinha o delírio. Mas como é que não passava o ônibus que queria?
Certo, pensou ela. Vou esperar mais 5 ônibus, se o 5o vier e não houver sinal do meu, vou-me embora caminhando. E então ela sentou-se. O mundo parecia conspirar contra sua preguiça, pois passou a não enviar mais ônibus quase nenhum.
Sentada, seus olhos passaram a fechar levemente, e incompletamente. E tudo tão cheio de mente assim, inclusive Helena. Começou a sentir-se suja, incapaz. Não conseguia enxergar-se subindo à canto algum. Talvez não conseguisse nada daquilo que ansiava. Nunca fora boa nisso, de qualquer forma. Não achava que seus desejos fossem tão impossíveis para alguma outra pessoa. Mas para ela era distante. Ela olhava pro horizonte dos seus sonhos e conseguia ver-se acordando de um baque na melhor parte da ilusão. E de repente nada mais parecia real. E ela nem mesmo havia conquistado suas vontades ainda.
Pensou também em tudo que teria que lidar na vida. Agora, continuo indo à escola. Acabando esse Ensino Médio, vou tentar entrar para uma faculdade. Depois, trabalho. Isso não era tão aprisionador. Mas imagina se ela tivesse filhos? Imagina ter sua própria casa, ter que pagar suas próprias contas? Se ela mal dá conta de ir caminhando à casa do tio! Ela via-se, já, daqui há 20 anos, sofrendo daquilo que têm chamado de doença… Via-se estressada. Morreria de câncer devido aos seus cigarros múltiplos desde os 16 anos. Se o stress tende a aumentar, ela que não ousaria parar de fumar. Saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos, e enquanto o destino mo conceder, continuarei fumando, dizia ela emprestando-se um pouco de Fernando Pessoa.
Continuou descendo às suas profundezas da mente. Pensou em pessoas e no quão impaciente todas elas se tornaram. Inclusive ela mesma. Relacionamentos virtuais são mais fáceis porque você tem a opção de responder ou não. E você pode mentir, também, sem seus olhares desmentirem. Ai! Ai, não! Mas ela queria um dia escrever um livro! Como poderia, com esse mundo tão perdido? Não tinha vontade de escrever sobre nada que conhecia. E não acreditava em nada que criava. Percebia então como seria mais fácil deixar para os outros, essa coisa de viver.
Mas que camada fina de vácuo começou a tomar conta dela, depois do terceiro ônibus. Fechou os olhos por completo desta vez. Tentou até enxergar qualquer coisa lá dentro. Imaginou-se a si mesma, mas não viu nada. Abraçou-se e encolheu-se, sem apego. Queria apenas ocupar menos espaço daquele mundo terrível.
Passou o 5o ônibus. Era o dela. Resolvi ir avisá-la. Toquei em sua pele, gélida. Ela não se moveu. Foi só quando toquei seu pulso que percebi que já estava morta. Precipitada mente.

Não sei explicar meu desespero, como narradora de figura tão querida à mim, ao perceber que não pude dar à ela outro destino.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quebra-cabeças.

E se eu te disser, assim... que te descobri? Te desvendei. Desvendei teu amor, segredo meu. Percebi quase sem querer. Ou melhor, nunca quis, mesmo. Mas dentro de todas suas curtas palavras via uma pista. Pequena, que seja. Se formaram num quebra-cabeça e agora eu posso ver. Vou emoldurá-lo. Cuidá-lo e apreciá-lo. Ainda que de longe, ainda que distante. Um cenário bonito que me entristece até certo ponto. Minha vida já tão cheia de desamores... Por que é que havia de apaixonar-me logo por um amor assim, tão seu? Alheio a qualquer coisa que me pertença.
Ter enfim descoberto, ou criado uma imagem bonita para o que nunca saberia compreender através desses seus olhos vagos e grande estatura, me trouxe certo alívio. Respirei devagar. Segurei os teus ombros, abracei teus cabelos, beijei os teus pés. Depois voltei a ver-te formosa em minha parede. Como nunca havia antes percebido.
Já passei muitos anos em busca da felicidade. Não ligo mais para isso. Hoje, procuro apenas o bem-estar. Procuro apenas cuidado. Sou carente de um abraço, de um carinho. Mas aprendi a entender-te tão mais bonita em meu quadro que em meus braços... Ainda que continue firme do meu lado, do outro lado da cama.
Pode desconstruir-se. Vamos lá. Eu sei que não permanecerá aqui por tempo longo. Sei que assim que o sol bater nessa minha antiga cortina pesada, você irá embora sem se despedir. Não me importo. Talvez sinta falta. Mas não se importe com isso. Só quero que, por favor, não leve embora o quadro. Nem enfie seus saltos finos pela moldura em meio a sua fúria. Passei tempo demais montando esse quebra-cabeça. Tão alheio a mim, mas tão cheio de desejos meus. Deixe-o como lembrança, por favor, uma imagem de você.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Açaí.

Estava eu do seu lado, no carro. Eu olhava pela janela os ipês amarelos, enquanto você me contava algo sobre o livro que estava lendo. Eu prestava atenção em ti junto com todo o resto daquela atmosfera. A cidade marrom e deserta. Os ipês colorindo... Algo como um quadro retratando um deserto, usando as cores quentes das flores para reforçar o calor. E nós ali no carro. Sem ar-condicionado, com as janelas abertas. Meus cabelos voando. Quente, muito quente, embora o vento tentasse me acalmar. Não conseguia, infelizmente. Hora do rush. O vento nem conseguia ousar conosco se acabávamos precisando continuar parados.
Muita gente na rua. Nossa, quanto cachorro! Uma menina andando de skate. Grupos de adolescentes saindo da escola com mochilas enormes. Você parou um pouquinho para prestar atenção também. Não sabia se amava aquilo ou se desprezava aquilo. Era uma linha tênue, com certeza. Mas eu falei pra você outra vez que a maior beleza estava nas coisas mais melancólicas. Você riu da minha tentativa de poetizar qualquer coisa comum, ali no carro, com pressa para o almoço. Nessa hora virei a cara para a janela outra vez. Eu amava te escutar rindo. Mas não suportava olhar para seus olhos e vê-los esperando que eu risse de volta. Até gostaria. Mas rir pra mim é uma coisa mais complicada. Nessas horas mais gostosas, prefiro rir internamente.
Passou um tempo e pude ficar olhando para você outra vez. Dirigindo com atenção, e com alguns poucos raios de sol batendo na sua pele. De tudo isso, começou a surgir em mim uma espécie de bem-estar. Um bem-estar melancólico. Portanto, bonito. "There's so much beauty in the world I feel I can't take it"
Mas a sensação que batia forte em mim é de que faltava alguma coisa. Existe uma coisa que quero agora, pra tudo ficar bem. É uma emoção, quase. Uma vontade roxa. Intensa e tão simples. Mas como é que eu descobriria o que é? Minha boca enlouquecida, quando a vontade chegou até ela, formulou sozinha as palavras: "Queria tanto um açaí!".
E você riu de mim mais uma vez.

domingo, 5 de setembro de 2010

Sem título.

Não se preocupe. Já sei que sente e que sente muito. Percebo intensidade nos pêlos de sua pele, que sobem ao meu toque. Eu cheiro teus cabelos num abraço, curto seus olhares focados em coisa alguma. Mas focados. Perdidamente focados em algo que não se pode ver. Sei que em algum momento acabarei repetindo para ti o mesmo que já disse para outros. Já sinto. Está me puxando para si com uma corda fina que me dá gosto. Me faz bem. Me cura.
E desculpa se ainda não soube deixar outrem.
Desculpe-me por não estar só contigo esta noite. E principalmente, desculpe-me por tentar embelezar minhas babaquices que nada têm de bonito ao te fazer chorar.