terça-feira, 22 de março de 2011

Aconteceu.

Quando você passou ali naquela sala meus olhos bateram nos seus. Não sei se você olhava para mim de volta, ou se pra qualquer coisa por trás de mim que chamava atenção. Eu estava na minha turma de pintura. Tive vontade de pintar seus olhos, encharcar com um pouco de tinta branca, aguada, para deixa-la lacrimejante. Sentia que só eu conseguia perceber seus cabelos caindo de leve sobre seus ombros. Você balbuciou algo pra professora, rindo. E foi embora.
Na semana seguinte me chamaram para dançar. Não queria ir, eu preferia experimentar mais filmes debaixo do cobertor. Remoendo delícias que se foram. Pensando em alguém para deitar-se ao meu lado. Permitia-me imaginar você, ali, deitada. Com os olhos em mim. E eu chegava cedo a colocar meu braço sobre seus seios e lhe beijava a testa. Era mais fácil, por não te conhecer. Ainda tinha a possibilidade de imaginar ser você a pessoa certa. Mas na vastidão da noite, sabia que acabaria por me sentir muito só. E dei partida no carro esperando embriagar-me rapidamente para deitar sem pensamentos.
As luzes, o som, a repetição. E você estava ali. Tuntz tuntz Don’t be a drag... É, te vi. Você olhou pra mim? Não sei, talvez eu tenha tido a impressão errada. Chegaram do seu lado e apontaram para mim. Virei-me. Enxergando você vindo caminhando até mim, e olhando fundo em mim. Se viesse agora, poderia me ver inteira. Por dentro, pelos lados. Ao invés disso, quando te olhei de volta, acendia um cigarro e ria. De mim? Para mim? Cheguei perto. Camuflei-me na dúvida. Sorri. Para você. Te puxei o braço, não sei como. Num impulso. Apertei sua mão. O álcool caminhando feliz no meu corpo.
Lembro da gente se beijando. Eu segurando seus cabelos, você com as mãos na minha cintura. Eu entrei na sua vida, você disse. Disse que viciou em mim. Disse sim. De um jeito meio casual. Talvez você não soubesse que já tinha entrado na minha. Depois, descobri que você não lembrava dos supostos olhares. Mas eu ainda acreditava neles.
O impulso que eu tive de te trazer pra perto de mim era o impulso que te empurrava para longe de mim. A dúvida passeava, te rodeava. Trazia um sabor diferente na saliva. Os nossos beijos imensos temiam um adeus. Eu tinha medo de você, ou de qualquer coisa dentro de você, que dizia não. E eu temia perguntar porquê. Eu sabia que, enquanto imaginava você preenchendo minha solidão, você talvez imaginasse alguém colocando sua vida de cabeça para baixo. E se eu disser que aguento? Eu suporto tudo. Porque você me parece leve. E eu prometo não pesar.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Poucas palavras.

Você chegou no meu quarto de fininho. Procurei tatear algo no chão. Minhas mãos encontraram o cinzeiro e resolvi fingi-lo mais importante que seu leve abrir da porta. Olhou pra mim com os olhos de sempre e sorriu. Sentou do meu lado e começou a me indagar, por que eu havia lhe trazido ali uma outra vez? Pensei que talvez estivesse meio louca. Mas estava treinada. Eu havia repetido diversas vezes minhas falas na frente do espelho. O problema é que se até de olho em mim mesma hesito, não sabia pensar o que aconteceria ao te ver. Meu rosto não parecia estar na mesma expectativa que o seu. Meus olhos no espelho não eram tão casuais. Eram insones. Eu não me amedrontava tanto. E você ali, parecia saber de tudo isso, deu um novo riso. E eu perguntei como tinha sido dirigir naquele temporal (sentindo dentro de mim o prazer de que o tempo não foi capaz de te impedir de vir até aqui). Eu estava na vantagem. Ela está cansada e sorri. Gostará de palavras boas. Quem dera eu soubesse dizer qualquer coisa bonita. Ou saber brilhar os olhos daquela forma, num lacrimejar contagiante. Quisera eu não estar com aquele cheiro de nicotina e poder só chegar perto da sua nuca e esboçar um cheiro. E um beijo. Mas calma lá. Calma. Eu não sei como começar contigo; porque em mim tudo já foi iniciado. Aconteceu sem previsão, e eu não queria te assustar. Eu não podia te assustar. Seu sorriso me confortava. E isso podia ser bom ou ruim. Ou nada. Mas só me incomodaria de verdade com a falta dele. Então por que tentar algo? Por que forçar a barra? Por que é, o seu sorriso pode voltar, pode sim. Já voltou outras vezes. E eu não posso voltar nessa oportunidade. Ali com você de novo no meu quarto, passeando as mãos nas minhas coxas. Tão casual, tão normal. Nada parecia lhe arrepiar os pêlos da nuca. Talvez, talvez... Se eu lhe encostasse a nuca. Mas não, não. É precipitado. Ou não? Oras, ela me encostou as coxas! - Mas ela... ah, ela sorri e eu aqui, nessa boca meio torta. Meio pra lá, meio pra cá. Incerta. Ela sorri e então encosta minhas coxas. Eu encostaria sua nuca e então sorriria. É tudo diferente. É tudo muito diferente. Notar que você não sou eu e vice-versa. Meu espelho mentiu pra mim. Me fez parecer fácil; e por vezes, engraçado. Mas com você ali de fato, eu sentia um frio. Eu queria dizer alguma coisa bonita, mas seria impossível. Melhor tentar antes entender. É, é. Por que sorri? Ou que sorriso é este? Podia estar feliz de encontrar alguém depois do trabalho. Podia estar rindo do meu silêncio. Podia estar brincando comigo.
“Eu também queria muito te ver...” Ela disse aos poucos. Eu encostei os seus cabelos até a nuca. Esbocei um abraço e aproveitei pra experimentar seu cheiro. E “que bom”, eu respondi. Foi o que eu pude dizer. E bastou.