segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Abracadabra (Luiz Päetow)
Ele falou para si. E você, se existe, ouviu. Mas não. Não. Não existes. Ele falou para si. Ele juntou as palavras, pausadamente. Ele disse, e só ele escutou. Lá estava ele. Parado. Quieto. Só ele ouviu. Dizia para ele, apenas. Disse-se. Se desse, gritaria. No silêncio. Gritaria pausadamente. Não. Não. Berro. Berraria. Ria. Com o olho. Olharia. Com olhar, riria. Quer dizer, berraria. Então, em tão quieto sussurro. Subiu. Sim, subiu. Subiu a voz. Um brado. Retumbante. Que ressoa. Eco. E todas suas derivações. Lógica. Com sobriedade. Sim, ele sussurrou o que dizia e queria gritar, mas berrou, como em um brado ressonante. Disse. Escapuliu de sua boca. Ôca. E seus olhos acompanharam a voz que não saía. Avós permaneciam. Ele, parado. Para o lado. Sem direção. Endireitou-se. À esquerda. Não se moveu. Comoveu. Como viram alguns somente. Só mente. De mentira. Uma mente que tira. A verdade. Passa a ver idade. Sem pressa. Compressa. Para o corpo meio morto. Ou torto. Que se esquiva. Esquina. Na quina do que não conhecia. Reconhecia. Uma voz. Atroz. Suportável. Dentro. Então, insuportável. Insustentável. Peso. Jogado para fora. Fora sim. Assim se foi. À voz: "Solidão é o aumentativo de sólido"
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Coração em dois.
Ela se juntou conosco na cama e, a princípio, achei excitante. Imagine só. Até pensei que na verdade quem estivesse sendo carregada junto era eu e não ela, mas não me importei. Estava contigo ainda assim. E você estava me enchendo de carinhos e beijos. Não reclamaria de nada jamais.
Nossos três corpos se juntaram, sentia tua respiração acelerar e a beleza dos cabelos dela. Os seios dela encostavam os meus e voltavam para você rapidamente. Ela te queria. E eu percebia em ti a confusão, em seu olhar. Você me puxava para seu lado, porque sentia medo dela. Ela te atraía absolutamente. E seu medo era que ela pudesse te dominar. Mas ela é tão distante, ela é tão difícil, ela seria tão impossível para você, infelizmente. E eu sabia. Você nunca me mentiu.
Eu sabia que por mais que adorasse ter a presença dela ali, não passava de um sonho que você adorava criar. Um momento passageiro. Logo sentiria sua ausência. Só não entendi porque é que eu estava ali também, dessa vez. Você não costumava permitir-me caminhar por este teu mundo tão intimamente.
Foi dentro deste sonho teu (ou meu?) que eu percebi que na verdade nunca estive apenas contigo. Ainda que não tivesse nenhuma outra mulher de carne e osso do nosso lado, você sempre dividia seu coração em dois pedaços. Eu sorria por saber que um ao menos era meu. E nutria tanta paixão por ti, que acabei roubando-lhe tua segunda paixão, e entregando-a um pedaço do meu coração também. No fim, só quem ganhou foi ela, que não teve de partir coração algum e ainda recebeu duas metades que poderia unir se quisesse.
Sozinha, ela carregava consigo qualquer possibilidade que eu e você teríamos de nos amar.
Nossos três corpos se juntaram, sentia tua respiração acelerar e a beleza dos cabelos dela. Os seios dela encostavam os meus e voltavam para você rapidamente. Ela te queria. E eu percebia em ti a confusão, em seu olhar. Você me puxava para seu lado, porque sentia medo dela. Ela te atraía absolutamente. E seu medo era que ela pudesse te dominar. Mas ela é tão distante, ela é tão difícil, ela seria tão impossível para você, infelizmente. E eu sabia. Você nunca me mentiu.
Eu sabia que por mais que adorasse ter a presença dela ali, não passava de um sonho que você adorava criar. Um momento passageiro. Logo sentiria sua ausência. Só não entendi porque é que eu estava ali também, dessa vez. Você não costumava permitir-me caminhar por este teu mundo tão intimamente.
Foi dentro deste sonho teu (ou meu?) que eu percebi que na verdade nunca estive apenas contigo. Ainda que não tivesse nenhuma outra mulher de carne e osso do nosso lado, você sempre dividia seu coração em dois pedaços. Eu sorria por saber que um ao menos era meu. E nutria tanta paixão por ti, que acabei roubando-lhe tua segunda paixão, e entregando-a um pedaço do meu coração também. No fim, só quem ganhou foi ela, que não teve de partir coração algum e ainda recebeu duas metades que poderia unir se quisesse.
Sozinha, ela carregava consigo qualquer possibilidade que eu e você teríamos de nos amar.
sábado, 21 de agosto de 2010
Vida,
A vida entra em mim descabendo no tamanho. Sou pequena, eu digo. Não cabe você inteira aí dentro de mim. E por que insiste em caminhar comigo? Não me dá soluções, apenas me ocupa espaços. Vá embora, só um pouquinho. Vá e me deixe um instante só. Quero brincar um pouco como uma boneca de pano, sem vida, mas tão bonita e querida a um olhar de criança.
Tá certo, vida, faz questão de vir em mim. Então posso desabafar? Deixe-me dizer o que me incomoda. Sim, te amo como nunca seria capaz de amar mais nada nem ninguém. Mas... Sim, há um Mas. E sei que triste é escutar um Mas assim depois de uma declaração de amor. Mas preciso, entende? Deixe-me, tente compreender-me.
Mas... Mas o efeito que você tem em mim é incrivelmente bonito. Sua presença me é inspiradora. Mais do que qualquer obra de arte ou tom de céu. Afinal, acho que a arte e os tons de cores ficam mais bonitos quando te tenho do lado. Enfim, não posso distrair-me. Tentarei com muita dificuldade focar-me no que quero lhe contar. Então... Então, és linda demais e deixa-me mais sublime, mais apaixonada. Aflora em mim incrível simpatia. Incrível capacidade de sentidos. Entrega-me poesias a escrever e brilhos nos olhos. E logo, por fazer-me perceber tudo isso, por fazer-me aceitar tudo isso, por fazer-me acreditar nas belezas das idiossincrasias, por fazer-me, enfim, intensificar-me, torna-me também mais vulnerável às dores que existem por aí. E é por isso, vida, é só por isso que às vezes gostaria que se afastasse um pouquinho só, enquanto eu planejo algumas regras para te apresentar da próxima vez que você quiser voltar.
Só um pouquinho, hein. Um pedacinho de mim pelo menos, que pare de viver. Indico-lhe deixar um pequeno espaço livre primeiro em meu coração, pra que eu não o dê tanta atenção por ora. E depois, que espace um pouquinho a minha mente, para que eu consiga pensar melhor em como ajeitar-me, sobriamente. E por último, que libere minha mão direita para que eu possa fazer anotações. Aí peço que leia tudo que eu pôr no papel. E que, caso aceite meus termos e condições, que volte. E volte mesmo, tá? Eu te amo sim, mas preciso me organizar, me encontrar antes de entregar-me a ti.
Tá certo, vida, faz questão de vir em mim. Então posso desabafar? Deixe-me dizer o que me incomoda. Sim, te amo como nunca seria capaz de amar mais nada nem ninguém. Mas... Sim, há um Mas. E sei que triste é escutar um Mas assim depois de uma declaração de amor. Mas preciso, entende? Deixe-me, tente compreender-me.
Mas... Mas o efeito que você tem em mim é incrivelmente bonito. Sua presença me é inspiradora. Mais do que qualquer obra de arte ou tom de céu. Afinal, acho que a arte e os tons de cores ficam mais bonitos quando te tenho do lado. Enfim, não posso distrair-me. Tentarei com muita dificuldade focar-me no que quero lhe contar. Então... Então, és linda demais e deixa-me mais sublime, mais apaixonada. Aflora em mim incrível simpatia. Incrível capacidade de sentidos. Entrega-me poesias a escrever e brilhos nos olhos. E logo, por fazer-me perceber tudo isso, por fazer-me aceitar tudo isso, por fazer-me acreditar nas belezas das idiossincrasias, por fazer-me, enfim, intensificar-me, torna-me também mais vulnerável às dores que existem por aí. E é por isso, vida, é só por isso que às vezes gostaria que se afastasse um pouquinho só, enquanto eu planejo algumas regras para te apresentar da próxima vez que você quiser voltar.
Só um pouquinho, hein. Um pedacinho de mim pelo menos, que pare de viver. Indico-lhe deixar um pequeno espaço livre primeiro em meu coração, pra que eu não o dê tanta atenção por ora. E depois, que espace um pouquinho a minha mente, para que eu consiga pensar melhor em como ajeitar-me, sobriamente. E por último, que libere minha mão direita para que eu possa fazer anotações. Aí peço que leia tudo que eu pôr no papel. E que, caso aceite meus termos e condições, que volte. E volte mesmo, tá? Eu te amo sim, mas preciso me organizar, me encontrar antes de entregar-me a ti.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Cor de fogo [Parte 1]
Sou um bobo. Nunca havia assumido isso a mim com tanta convicção. Encantei-me de pronto com seus cabelos. Seus cabelos vermelhos e longos com cachos ao cair dos fios. Encantei-me como se nunca tivesse visto nada parecido. E talvez nunca tenha mesmo, pensando bem; tirando as capas de revistas que observo em bancas de jornal.
Nem era assim tão bonita. Ou não pretendia ser. Ou não tivesse tempo para isso. Mas isso só percebi depois. Sim, porque no primeiro dia de aula chegou magnífica, com um vestido verde e olhos delineados, e talvez guarde essa imagem sua em mim ainda. Mas nos dias que se passaram, entrava atrasada, quase sem fôlego, com um jeans que não lhe caia bem e com uma blusa certamente antiga que usava já fazia anos.
Não sou de reparar tanto assim nas pessoas. A maior parte do tempo fico quieto, silencioso, esperando que a vida passe calma. Mas você me chamou atenção. Você lia um livro com uma capa curiosa, com um desenho estilizado de pássaros dentro do mar. Sim, achei terrivelmente interessante. Busquei o nome do livro. Mas vamos lá, não há como encontrar o título de um livro com uma capa assim. Sei que o queria. Queria também seus cabelos e despir suas roupas surradas. Que vulgar, você diria hoje, caso lhe contasse isso.
Você era também incrivelmente simpática e distante, ao mesmo tempo. Chegava cumprimentando todos ao seu lado e depois sentava e abria seu livro até que o professor chegasse a algum assunto que lhe despertasse. E quando desperta, endireitava a coluna e seus olhos seguiam o professor a qualquer ponto, até que tudo lhe parecesse enfadonho outra vez. E abria novamente seu livro.
Passaram-se duas semanas e eu sentava sempre umas cadeiras atrás de você, nem sei se me percebia até então. Acredito que qualquer dia eu peça a você que me tire a dúvida. De qualquer maneira, não é como se estivesse apaixonado por ti. Na verdade, só lembrava de você quando entrava na sala ofegante. E passava duas breves horas olhando para ti porque talvez me faltasse um bom livro para distrair-me.
Depois é que seus cabelos cor de fogo começaram a arder em mim. E foi aí que tudo se agravou.
Nem era assim tão bonita. Ou não pretendia ser. Ou não tivesse tempo para isso. Mas isso só percebi depois. Sim, porque no primeiro dia de aula chegou magnífica, com um vestido verde e olhos delineados, e talvez guarde essa imagem sua em mim ainda. Mas nos dias que se passaram, entrava atrasada, quase sem fôlego, com um jeans que não lhe caia bem e com uma blusa certamente antiga que usava já fazia anos.
Não sou de reparar tanto assim nas pessoas. A maior parte do tempo fico quieto, silencioso, esperando que a vida passe calma. Mas você me chamou atenção. Você lia um livro com uma capa curiosa, com um desenho estilizado de pássaros dentro do mar. Sim, achei terrivelmente interessante. Busquei o nome do livro. Mas vamos lá, não há como encontrar o título de um livro com uma capa assim. Sei que o queria. Queria também seus cabelos e despir suas roupas surradas. Que vulgar, você diria hoje, caso lhe contasse isso.
Você era também incrivelmente simpática e distante, ao mesmo tempo. Chegava cumprimentando todos ao seu lado e depois sentava e abria seu livro até que o professor chegasse a algum assunto que lhe despertasse. E quando desperta, endireitava a coluna e seus olhos seguiam o professor a qualquer ponto, até que tudo lhe parecesse enfadonho outra vez. E abria novamente seu livro.
Passaram-se duas semanas e eu sentava sempre umas cadeiras atrás de você, nem sei se me percebia até então. Acredito que qualquer dia eu peça a você que me tire a dúvida. De qualquer maneira, não é como se estivesse apaixonado por ti. Na verdade, só lembrava de você quando entrava na sala ofegante. E passava duas breves horas olhando para ti porque talvez me faltasse um bom livro para distrair-me.
Depois é que seus cabelos cor de fogo começaram a arder em mim. E foi aí que tudo se agravou.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
O quê (re)escrevemos ali eu não sei o que foi.
Encontramos-nos de novo à beira mar. Exatamente como antes. Mas hoje seus olhares estavam chorosos e contou-me de ti de forma que nunca havia antes sabido. Eu, pelo contrário, falei bem menos. Minha vida anda tão desinteressante há tanto tempo. E talvez justamente por isso conseguisse te escutar tão bem.
Mas eu, ainda assim, não sei o que foi que aconteceu. Estávamos deitadas na areia e aos poucos os pedaços do nosso corpo foram se encostando timidamente. Sem querer? Sim, talvez fosse o vento frio que fazia com que meu corpo pedisse por um pouquinho mais de calor.
Você percebeu que não queria falar sobre minhas feridas de vida. Abraçou-me terna e mostrou-me que me amava ainda como tanto amou anos atrás. Ou talvez só fosse a forma que encontrou para agradecer meus ouvidos tão generosamente emprestados a ti. E talvez eu só quisesse te agradecer de volta, por ter respeitado meus silêncios.
Mas sei que ao menos um pequeno verso de amor escrevemos ali. Só não sei o que foi. Com certeza meus sentimentos misturados aos seus devem ter formado algo novo que talvez seja incompreensível pra qualquer uma de nós.
Vodka.
Você fica assim, sorrindo como amiga. Fácil. Jura saber muito mais que eu sobre as coisas todas. Quer me dominar, isso eu sei. Mas fui eu a tola que corri atrás de ti, tu só sorriu. E talvez essa já tenha sido sua primeira conquista. Agarrou-me e percebeu que procurava em ti um veneno que me fizesse sumir. Providenciaste todo o teor alcoólico, enviou-me suspiros de prazer. Depois me tacou no chão e me deixou quieta num canto para que pudesse eu mesma terminar de acabar comigo.
No dia seguinte acordo com a esperança de que tenha sido apenas um sonho ruim. Mas ali está você na minha frente, no espelho, com sua cara barata e arrogância conhecida, dizendo que eu caí na sua outra vez.
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Carta Dele para Ela.
Todos os caminhos se fecharam. Estou sem conseguir ir atrás de ti. Vou jogar esta carta ao vento e esperar fortemente que a receba. Ainda acredito que não demorará muito pra encontrar uma saída. Ocupo meu dia à procura, desde a primeira hora da manhã. Com intervalos para a comida e para o sono. Querida, aqui estão todos sendo tão bons comigo.
Apesar da aparência cinzenta e da falta de bonitos jardins como os quais estávamos acostumados, encontrei aqui certa poesia. Resolvi cantar tons monocromáticos misturados com a simpatia de todos que se puseram firmes conosco. Entristeço-me por não ter te explicado tudo bem melhor antes. Se eu tivesse previsto que teria de partir, teria me esforçado mais a colocar-te ao meu lado.
Lamentos a parte... Não temos tempo para isso. Estou a escrever esta carta para lhe depositar um pouco mais de esperança, pra declarar-te o meu amor. Meu único medo hoje é que acredite que te esqueci ou que desisti de buscar-te. Não. Quero-te como nunca. E estou verdadeiramente obstinado a te encontrar onde seja. Só não me desespero porque sei que isso apenas me roubará concentração. E isso eu não quero. Espero que esteja firme também. Mas espero que também ainda pense em mim...
Meu bem, não há um só dia que eu não sonhe com o cheiro do teu corpo. Não há um só dia que teu olhar me deixe só. Lembro de você cantando-me baixinho as canções do amor. Aquelas quietas, silenciosas. Porém as que mais me faziam dançar. Teu canto calmo fazia cada parte de mim dançar teus compassos. E sentia dançarmos juntos. Tu o pássaro raro, e eu o bobo que me encantava a imitar tuas folias.
(Deixe-me lhe contar um segredo... Eu acredito ainda dançar junto de ti. Acredito mesmo. Creio que estamos juntos ainda, em algum plano que se encontre neste vasto espaço. Acredito com a certeza dos apaixonados, que temos um ao outro apesar de toda a distância terrena, e de todos os buracos no tempo. Finjo que nosso portal é a lua, e é a ela que canto para ti todas as noites, esperando que escute. Canto aquela música que gostas, da liberdade das fadas e dos risos dos solitários.)
Um grande beijo, amor meu. Não desistirei até encontrar-te e somar-te a mim mais uma vez, de corpo e alma. Espero que o vento consiga levar esta carta a ti, apesar das barreiras. E se receber, sorria. Sorria para a lua, que eu conseguirei enxergar teu reflexo.
Apesar da aparência cinzenta e da falta de bonitos jardins como os quais estávamos acostumados, encontrei aqui certa poesia. Resolvi cantar tons monocromáticos misturados com a simpatia de todos que se puseram firmes conosco. Entristeço-me por não ter te explicado tudo bem melhor antes. Se eu tivesse previsto que teria de partir, teria me esforçado mais a colocar-te ao meu lado.
Lamentos a parte... Não temos tempo para isso. Estou a escrever esta carta para lhe depositar um pouco mais de esperança, pra declarar-te o meu amor. Meu único medo hoje é que acredite que te esqueci ou que desisti de buscar-te. Não. Quero-te como nunca. E estou verdadeiramente obstinado a te encontrar onde seja. Só não me desespero porque sei que isso apenas me roubará concentração. E isso eu não quero. Espero que esteja firme também. Mas espero que também ainda pense em mim...
Meu bem, não há um só dia que eu não sonhe com o cheiro do teu corpo. Não há um só dia que teu olhar me deixe só. Lembro de você cantando-me baixinho as canções do amor. Aquelas quietas, silenciosas. Porém as que mais me faziam dançar. Teu canto calmo fazia cada parte de mim dançar teus compassos. E sentia dançarmos juntos. Tu o pássaro raro, e eu o bobo que me encantava a imitar tuas folias.
(Deixe-me lhe contar um segredo... Eu acredito ainda dançar junto de ti. Acredito mesmo. Creio que estamos juntos ainda, em algum plano que se encontre neste vasto espaço. Acredito com a certeza dos apaixonados, que temos um ao outro apesar de toda a distância terrena, e de todos os buracos no tempo. Finjo que nosso portal é a lua, e é a ela que canto para ti todas as noites, esperando que escute. Canto aquela música que gostas, da liberdade das fadas e dos risos dos solitários.)
Um grande beijo, amor meu. Não desistirei até encontrar-te e somar-te a mim mais uma vez, de corpo e alma. Espero que o vento consiga levar esta carta a ti, apesar das barreiras. E se receber, sorria. Sorria para a lua, que eu conseguirei enxergar teu reflexo.
Carta Dela para Ele.
Provavelmente esta carta nunca chegará em suas mãos. Mas preciso escrever. Preciso tentar. Eu... Eu preciso ao menos depositar meus sentimentos e minhas confissões em algo, ainda que seja numa folha de papel, e esperar que o vento a leve até você. Meu querido, essa é a única esperança que me resta. Aqui, nada mais me apetece. As luzes fortes ofuscam nos meus olhos, e toda essa aparência não é capaz de esconder a tristeza deste lugar.
Imagino caso consiga receber esta carta apesar de toda a improbabilidade, e quando penso assim, um esboço de sorriso rasga minhas bochechas desacostumadas de alegria. Não sei reconhecer o que me tornou tão infeliz. Pensei que com o tempo, foste aparecer de volta. Mas nada. Porque me abandonaste?
Lembro muito bem de nós dois. Lembro de como apertava minha cintura e eu brincava com teus beijos. Lembro de toda a trilha sonora de gemidos e sussurros durante a noite. Não sei se, naquela época, algo me agradava mais que o seu prazer. E mais que isso, seu prazer junto ao meu. Hoje, tenho certeza que nada me agrada mais que as lembranças destes momentos. Todo seu tórax pulsava. Eu colocava minhas mãos em teus cabelos, em tua nuca e depois em todo seu corpo. E aí começávamos com todas aquelas acrobacias. Éramos fadas sem asas, nos sustentávamos um no outro. Ninguém mais caberia ali. Era uma dança criada através de nosso amor. E a música que tocava era a nossa chama acesa. E lembro de você dizer-me baixinho que enquanto ela estivesse assim tão flamejante, nossa dança só poderia acompanhá-la fielmente, sem pausas.
Imaginava essa nossa paixão como uma fogueira ardente no campo, e nós dois sentados juntos ao redor dela, meu amor. Hoje, imagino que talvez fossem na verdade duas fogueiras diferentes e distantes uma da outra. Você esquentando suas mãos diante de uma, e eu na outra. E éramos incapazes de espiar com precisão a chama do outro. Será que era assim? Tua chama se apagou ao partir? Não consigo ver! Dê-me uma dica, ao menos.
Lembro que quis me levar consigo. Pouco me importava o motivo de ir ou de ficar, tu sabes. Teria te seguido sem pensar. Mas me puxaram para trás. Puxaram-me, não deixariam que eu fosse se não acreditasse no motivo. Confundiram-me, amor! Gaguejei, e perdi tua presença neste mundo terreno. Eu não pensei que você pudesse ir e não voltar logo para mim. Quando demorou, resolvi eu então ir atrás de ti. Mas não encontrei caminho algum, apenas névoa. Adoeci. E encontraram-me já pessoas tristes e perdidas nisso que não é razão, sem possuir verdades e cheios da culpa de terem permitido que não só você, meu amor, partisse, mas que tantos outros também se fossem.
Desde então, desisti. Desisti por não ver outra opção do que fazer. Aos poucos tudo foi perdendo a graça. Até as flores do jardim, querido! Até aquelas lindas flores azuis que passávamos tantas horas poetizando-as. Até elas hoje me parecem falsas. Parece que me desafiam; Como se estivessem aí para fortalecer a ironia deste mundo em que vivo e que já não faz mais sentido algum. Não tenho mais muita esperança para nada. Porém tenho necessidades trágicas. Como por exemplo, escrever algo e ver se quem sabe isso me acalme.
Vou parar por aqui. Querido meu, sinto sua falta. Se pudesse voltar no tempo, teria ido contigo. Hoje tenho vários grandes motivos para deixar este lugar tenebroso. Mas não acredito que haja um caminho...
Imagino caso consiga receber esta carta apesar de toda a improbabilidade, e quando penso assim, um esboço de sorriso rasga minhas bochechas desacostumadas de alegria. Não sei reconhecer o que me tornou tão infeliz. Pensei que com o tempo, foste aparecer de volta. Mas nada. Porque me abandonaste?
Lembro muito bem de nós dois. Lembro de como apertava minha cintura e eu brincava com teus beijos. Lembro de toda a trilha sonora de gemidos e sussurros durante a noite. Não sei se, naquela época, algo me agradava mais que o seu prazer. E mais que isso, seu prazer junto ao meu. Hoje, tenho certeza que nada me agrada mais que as lembranças destes momentos. Todo seu tórax pulsava. Eu colocava minhas mãos em teus cabelos, em tua nuca e depois em todo seu corpo. E aí começávamos com todas aquelas acrobacias. Éramos fadas sem asas, nos sustentávamos um no outro. Ninguém mais caberia ali. Era uma dança criada através de nosso amor. E a música que tocava era a nossa chama acesa. E lembro de você dizer-me baixinho que enquanto ela estivesse assim tão flamejante, nossa dança só poderia acompanhá-la fielmente, sem pausas.
Imaginava essa nossa paixão como uma fogueira ardente no campo, e nós dois sentados juntos ao redor dela, meu amor. Hoje, imagino que talvez fossem na verdade duas fogueiras diferentes e distantes uma da outra. Você esquentando suas mãos diante de uma, e eu na outra. E éramos incapazes de espiar com precisão a chama do outro. Será que era assim? Tua chama se apagou ao partir? Não consigo ver! Dê-me uma dica, ao menos.
Lembro que quis me levar consigo. Pouco me importava o motivo de ir ou de ficar, tu sabes. Teria te seguido sem pensar. Mas me puxaram para trás. Puxaram-me, não deixariam que eu fosse se não acreditasse no motivo. Confundiram-me, amor! Gaguejei, e perdi tua presença neste mundo terreno. Eu não pensei que você pudesse ir e não voltar logo para mim. Quando demorou, resolvi eu então ir atrás de ti. Mas não encontrei caminho algum, apenas névoa. Adoeci. E encontraram-me já pessoas tristes e perdidas nisso que não é razão, sem possuir verdades e cheios da culpa de terem permitido que não só você, meu amor, partisse, mas que tantos outros também se fossem.
Desde então, desisti. Desisti por não ver outra opção do que fazer. Aos poucos tudo foi perdendo a graça. Até as flores do jardim, querido! Até aquelas lindas flores azuis que passávamos tantas horas poetizando-as. Até elas hoje me parecem falsas. Parece que me desafiam; Como se estivessem aí para fortalecer a ironia deste mundo em que vivo e que já não faz mais sentido algum. Não tenho mais muita esperança para nada. Porém tenho necessidades trágicas. Como por exemplo, escrever algo e ver se quem sabe isso me acalme.
Vou parar por aqui. Querido meu, sinto sua falta. Se pudesse voltar no tempo, teria ido contigo. Hoje tenho vários grandes motivos para deixar este lugar tenebroso. Mas não acredito que haja um caminho...
Um beijo.
ps. Meus lábios agora tremem.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Vita Brevis (Codex Floriae)
Ao deparar-me com a brevidade da vida, percebi que bobeira seria negar-me aos prazeres efêmeros que esta me propõe. Bobeira maior seria deixá-los entrar só de leve e negar intensidade. Sim, pois só gozamos de tudo que chega a nós se vivemos fortemente. Pensamentos passeiam, nos rondam, mas não podemos deixar que tomem conta. Tentar racionalizar, ao invés de amenizar a dor, a alimenta silenciosamente.
E com tal potência, minha fome crescia. Meu desejo ardia em meu corpo inteiro. Cada pedaço de mim gritava por você imediatamente. Gritavam por teu corpo. Olhos fechados, beijos selados.
O uso dessa palavra - concupiscência - talvez seja injusto, para algo que é tão bonito. Sim, pois não é pura luxúria. Há algo além. Ceder aos prazeres que surgem com amor não é atitude libertina. É apenas viver a vida com o corpo e a alma. E nunca pensar em separar os dois.
Resolução.
E quanto maior o esforço para esquecer-te, mais frequentes são meus sonhos contigo. É sabido que o desejo de deixar um vício (e uso esta palavra por pura liberdade à metáfora) costuma fortalecer ainda mais a falta. Queria poder comprar uma essência de ti na farmácia, como adesivos de nicotina.
Como tal solução só funciona na poesia, resolvi então permitir que continuasse em mim ainda que ilusoriamente. Vou completar os planos que deixamos para trás e viver com a presença tua que crio deliberadamente.
Aos poucos, estou certa, me afastarei de ti e deixarei tua imagem partir só; Com as lembranças desconhecidas de tudo que criei sozinha para nós.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
A Lembrança Sustenta!
A inconstância da vida traz momentos onde é desejado deixá-la. Há dores que não se curam com os anos. Há sentimentos que não se vão com o afeto. Existem pessoas ao seu lado para te ajudar, mas que não conseguem lhe enxergar. Estava eu, só, a tomar um café na minha cidade que tão bem conhecia; Mas me sentia tão desconhecida por ela. As pessoas que passavam ao meu lado não me tinham como pedaço da vida. Aquele lugar independia de mim.
Fui passeando pelos arredores. Reconhecia as árvores, sabia o caminho, percebia o sol no meu rosto. E todo esse conhecimento adquirido pela convivência e pelo costume de repente parecia sem sentido. Não parecia mais existir. Adentrei uma estrada nova. Uma calçada recém feita para cortar caminho à quadra. Cortar caminho. Cortar caminhos para quê? Por que a pressa? Se viver é exatamente ir em frente, sem atalhos!
O que será, será; Já dizia aquela canção. E viver o que há de ser é que é simplesmente incrível. Não podemos moldar sozinhos todo nosso futuro. Olha só, aqui estou eu passeando por um caminho criado por terceiros, sem minha aprovação. Decidi caminhar por aqui, como poderia ter escolhido outro caminho que outro construíra. Ou poderia construir meu próprio caminho. Mas não poderia impedir outros de quererem cruzá-lo com o seu próprio cimento ou com sua presença. Nem gostaria. Bifurcações nos enchem com maiores possibilidades. E as pessoas que aparecem no caminho acrescentarão alguma coisa, nem que seja uma mera reflexão.
Minha melancolia vai me forçando a andar mais lentamente. E um vazio toma conta de mim. Nada de carência, mas uma revolta de não saber ser o mundo. De não conseguir ser completa. De simplesmente quietar-me e não fazer de mim tudo que eu poderia. Será que minha vida faz sentido? Será que em algum momento ela já fez? Será que algum dia fará? É tão difícil pra mim responder, sendo que nem sei que sentido procuro, nem se realmente existe algum...
Paro por um momento. Uma canção toma conta da minha cabeça. Uma canção de ninar. Uma lembrança da infância. Vi vários sorrisos. Lembrei-me de brincadeiras. Vi-me a acreditar em fadas. Senti olhares de amor direcionados a mim. Vi-me correr ao vento. Senti de novo o mar pela primeira vez batendo nos meus pés. Notei teus dedos entrelaçados nos meus, tuas coxas em contato com as minhas. Vi-me dançar com diversos pares. Lembrei de coisas belas que escrevi com urgência apaixonada. E como tantas pessoas já me fizeram sorrir. Voltei para debaixo d'água, indo em direção à queda que, apesar de tudo, costumava formar lindos arco-íris.
E foi aí que percebi tão claramente que são as lembranças que sustentam a vida, quando o presente e o futuro se mostram tão incertos.
[E percebi também que todo meu sentido de ser dependia de eu continuar a andar, no caminho que eu mesma escolhi.]
Fui passeando pelos arredores. Reconhecia as árvores, sabia o caminho, percebia o sol no meu rosto. E todo esse conhecimento adquirido pela convivência e pelo costume de repente parecia sem sentido. Não parecia mais existir. Adentrei uma estrada nova. Uma calçada recém feita para cortar caminho à quadra. Cortar caminho. Cortar caminhos para quê? Por que a pressa? Se viver é exatamente ir em frente, sem atalhos!
O que será, será; Já dizia aquela canção. E viver o que há de ser é que é simplesmente incrível. Não podemos moldar sozinhos todo nosso futuro. Olha só, aqui estou eu passeando por um caminho criado por terceiros, sem minha aprovação. Decidi caminhar por aqui, como poderia ter escolhido outro caminho que outro construíra. Ou poderia construir meu próprio caminho. Mas não poderia impedir outros de quererem cruzá-lo com o seu próprio cimento ou com sua presença. Nem gostaria. Bifurcações nos enchem com maiores possibilidades. E as pessoas que aparecem no caminho acrescentarão alguma coisa, nem que seja uma mera reflexão.
Minha melancolia vai me forçando a andar mais lentamente. E um vazio toma conta de mim. Nada de carência, mas uma revolta de não saber ser o mundo. De não conseguir ser completa. De simplesmente quietar-me e não fazer de mim tudo que eu poderia. Será que minha vida faz sentido? Será que em algum momento ela já fez? Será que algum dia fará? É tão difícil pra mim responder, sendo que nem sei que sentido procuro, nem se realmente existe algum...
Paro por um momento. Uma canção toma conta da minha cabeça. Uma canção de ninar. Uma lembrança da infância. Vi vários sorrisos. Lembrei-me de brincadeiras. Vi-me a acreditar em fadas. Senti olhares de amor direcionados a mim. Vi-me correr ao vento. Senti de novo o mar pela primeira vez batendo nos meus pés. Notei teus dedos entrelaçados nos meus, tuas coxas em contato com as minhas. Vi-me dançar com diversos pares. Lembrei de coisas belas que escrevi com urgência apaixonada. E como tantas pessoas já me fizeram sorrir. Voltei para debaixo d'água, indo em direção à queda que, apesar de tudo, costumava formar lindos arco-íris.
E foi aí que percebi tão claramente que são as lembranças que sustentam a vida, quando o presente e o futuro se mostram tão incertos.
[E percebi também que todo meu sentido de ser dependia de eu continuar a andar, no caminho que eu mesma escolhi.]
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Algo a mais.
Via ele enervar-se à toa e a toda hora. Não aprendeu simpatias e negava-se a sorrir facilmente. Ria assim, de vez em quando, de uma coisa boba. Ia atrás de pequenos conflitos, satisfazia-se com eles. Pensavam que era egoísta, que só pensava em si e por isso mesmo destratava pessoas por motivos pequenos. E só por motivos pequenos. Preferia não resolvê-los e deixá-los presentes para que pudesse através de sua energia torná-los grandes, tempestuosos. Quase fazia-me acreditar na seriedade de seus pequenos grandes problemas. E apesar de todos dizerem o contrário, passei a perceber que essa intensidade era prova de que sabia muito amar. Escondido.
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