sexta-feira, 25 de junho de 2010

Sem título.

Não consigo enxergar-me sob olhos alheios. Vejo meu reflexo nos seus olhos verdes e percebo que estou ali, de alguma forma. Mas estou embaçada, distante e pequena - aos meus olhos, pelo menos. Fora esse reflexo disforme, não sei mais nada. Mesmo quando me traz pistas, elas parecem tão controversas, que tentando me curar, prefiro ignorar.
Você também não sabe se está em olhos meus. Já soube certa vez, mas é passado. Soube de jeito errado e sem qualquer emoção. Soube, e não sei se sorriu.

Sempre que nos encontrávamos, por acaso, lhe oferecia um café. Caminhávamos pelos corredores longos da UnB até encontrar aquele expresso amargo que você tanto gostava e enchia de açúcar. Falava-me sobre tudo. Falava e falava sem parar a sua opinião sobre as coisas do mundo. Nunca teve medo de expor um ponto de vista ou uma opinião diferente. Discordávamos com frequência, várias vezes ao dia. Mas aquelas discussões nos alimentava. Nossos olhares, quando se cruzavam, permaneciam vidrados. Eu via o brilho dos seus olhos tão verdes, tão lindos. E a partir de um momento, esquecia do que estávamos falando, e só sorria.
Não sei exatamente quando comecei a sentir sua falta. Pensava em você discretamente, secretamente, enquanto arrumava o quarto, ou quando saía com meus amigos. Pensava se faria sentido lhe telefonar. Respondia à mim mesma que não, não tínhamos qualquer proximidade. Não sabia da sua vida, nem seu sobrenome. Não sabia onde morava. E talvez, me gelava a ideia, estivesse até comprometida.
Nos encontramos poucas vezes, em bons momentos. Conversamos sobre tudo. E quanto mais penso no tanto que falamos, mais percebo que não te conheço nada. Não sei do que gosta, do que não gosta. Não sei se gostaria de ir a uma peça de teatro comigo, não sei se prefere música. Não sei o que lê. A única coisa que sei é que estuda economia; não sei bem porquê, aliás. Fala tanto do que pensa, mas tão pouco de quem és!
Gosto de pensar que talvez pense em mim de volta. Que talvez tenha as mesmas dúvidas e medos. Mas como disse desde o início, não sei intepretar-me sob olhos alheios - principalmente nesses seus, que só sabem me tirar a atenção. Gostaria de ter mais consciência do que te passo. Ou se faço com que sinta qualquer coisa. Ou se sou só uma companhia agradável durante nossos intervalos das aulas. Você estava sozinha quando comecei a falar contigo. Talvez só precisasse de um amigo. Eu é que, desde que te vi, encantei-me com teus olhares.

Desculpa

A necessidade de se desculpar e de ouvir pedidos de desculpas é constante. Há desculpas de diversos tipos. Não basta apenas ouvir "desculpa" para compreender. É preciso analisar os tons e os olhares.
Existem aquelas pessoas que se desculpam de mentirinha, para evitar futuras chateações. Existem as desculpas involuntárias, quando você se desculpa de repente sem saber direito do quê ou porquê, sem sentido. Existem aquelas pessoas que não se arrependeram e se desculpam por interesse. E tem aquela desculpa imposta, do tipo que a mãe diz num tom autoritário"Vamos, meu filho, peça desculpas para ela!".
Mas outras vezes, nos deparamos com situações bonitas. A desculpa sentida, por exemplo, é sempre comovente. E a desculpa tímida, de quem acaba de criar coragem de falar com você. Podemos nos deparar também em alguns momentos, com pedidos de desculpas que cabem numa história, fortes: A desculpa desesperada, de quem deseja o perdão mais que qualquer outra coisa. Esta costuma vir junto com a desculpa culpada, quando não é apenas arrependimento que tem aí, é também um grande peso na consciência. E há a desculpa contida, de quem não tem coragem.
Existem todas essas, e muitas outras. Sou capaz de compreender todas essas tentativas. Já perdoei todas elas, querida. O que não consigo é perdoar suas desculpas esfarrapadas.

domingo, 20 de junho de 2010

Dissimulada.

Você sentou do meu lado como quem não quer nada e perguntou como vai minha vida. Te contei que já estava para me formar. Te falei que planejava me mudar. Ir para São Paulo buscar um bom emprego. Você sorriu, meio que sem pensar. Contou-me que as coisas em casa tinham piorado, que não aguentava mais. Desejou-me o melhor.
Virei-me e você me fitava com olhos brilhantes. Aquela intimidade de outrora era hoje distante. Vi em você a vontade de voltar. E uma vontade de chorar, esquisita. Segurei suas mãos geladas e desejei que aquilo a fizesse se sentir melhor. Perguntei se não desejava sair dali. Subitamente, tive vontade de sair contigo e só contigo. De repente, senti que te queria do lado outra vez.
Mas você, assustada, largou minhas mãos. Disse baixinho, pra que ninguém mais escutasse, que eu estava me precipitando. Vi no seu rosto aquela expressão que sempre me fazia mal. Aquela que me informava silenciosamente o quanto eu era previsível, o quanto eu era fácil. Perguntei, já levemente irritada (e chateada) se queria alguma coisa de mim, se eu poderia lhe ajudar. Me respondeu que sim. Abaixou a cabeça e olhou pra baixo, fazendo com que eu me aproximasse aos pouquinhos. "O que?" sussurrei no seu ouvido. E foi então, com um sorriso tímido, que me disse que era só parar de levar-te tão a sério.
E me beijou. De novo assim, como quem não quer nada.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Liberdade poética.

Vamos curtir essa melancolia. Vamos sentar em sua almofada fofa junto ao sofá. Vamos, vem comigo. Aqui ou lá, tanto faz. Não espero mais que a tristeza se vá. Quero agora que saibamos conviver. Quero só deixar de lado esperanças e ilusões. Me afogar, talvez. Me afogar numa reflexão. Viver com a certeza de que a tristeza apenas faz parte. Não quero deixá-la tomar conta. Mas não quero mais me preocupar com sua presença. Xô ansiedade, xô impulsividade. Nada vai ser imediato. Talvez muitas coisas passem até despercebidas. Alguns finais não precisam de ponto final. O eu lírico da vida faz seus versos desiguais e muitas vezes sem sentido, mesmo. Quero saber reconhecer essa tal poesia. Quero rir de seus versinhos e até achar bonito.
Talvez a vida seja injusta. Talvez a vida deixe a desejar. Talvez a vida não faça sentido. Talvez tudo isso, talvez nada disso. Não quero mais coerência. A coerência é uma arte falha. Quero a vida com suas imperfeições. Suas imperfeições é que me encantam. E isso que é realmente difícil de admitir. Seu cabelo desgrenhado que é remexido pelo vento da tarde. O cabelo da vida cheio de vida, cheio de nós e revoltoso.
Vida, sejas ousada. Ouse jogar-me coisas novas, situações diferentes e inesperadas. É só o que te peço. Não quero proteção. Quero uma situação excitante. Desejo, pelo menos, poder cantar uma nova canção. Ou várias, simultaneamente.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Companhia: Solidão.

Às vezes é exatamente a vontade de simplificar as coisas e esquecer os problemas que faz com que ele tenha cada vez problemas maiores. Ele já deixou de reparar erros. Prefere evitar dores de cabeça. Mas reclama então do sinal que fechou. Reclama do som alto do carro do lado. Reclama quando algo quebra. Ou, principalmente, quando algo estava fora do lugar que ele julgasse melhor estar.
A vida é tão difícil, ele pensava. Mas sem olhar para o lado. Agia como se fosse difícil apenas para ele. Como se aguentar aquele sinal e ver seu laptop quebrar no chão fosse um castigo por algum pecado passado. Apesar de não acreditar em deus; na idade em que estava, começava a acreditar que talvez tivesse alguém realmente o punindo. Daí vinha aquele medo, aquele de quem é cético e morre de medo de estar errado.
Algumas coisas ainda o faziam feliz. Adorava cozinhar, por exemplo. Apesar de não ter com quem dividir suas receitas, arrumava a sala, colocava uma vela à mesa e fazia uma quantidade suficiente que servisse para ele durante dois dias. Sentava-se na mesa de jantar sozinho, conversando com a mulher dos seus sonhos. Era alta e madura como Meryl Streep e tinha toda a classe delicada de Audrey Hepburn. Suas duas grandes musas do cinema se juntavam em uma só; e ele ali, com ela. Semana passada tinha almoçado com Ingrid Bergman. Já tinha experimentado também Marilyn Monroe. Mas não havia dado muito certo. Dividir características de duas pessoas e juntar numa só era muito mais completo. E sentia que a combinação tinha sim dado certo. Aquela mulher que ele criara podia muito bem um dia ser sua esposa.
Além da cozinha, lhe agradava também o seu cachorro. Era já bem velho. Como era quietinho, ele sabia relevar a sujeira e os pêlos largados pelo tapete e pelo chão. Era um Schnauzer levemente tosado e bem cuidado. Até tentava brincar com ele de vez em quando. Pegava sua bolinha e jogava longe. Mas quando o cachorro voltava com a bola na boca, ele se sentia enojado e cansado de ter que se curvar pra pegar aquele brinquedo babado. Sentava-se então para assistir televisão. Passava canal por canal sem parar em nenhum. Exausto, acabava dormindo no sofá.
Durante a madrugada, seu cachorro começa a lamber os dedos de sua mão, que estava para fora do sofá. Ele acorda irritado. Briga com o cão. Desliga a TV. Senta-se direito, abaixa a cabeça e aos poucos cria coragem para levantar-se.
Andou devagar até o único espelho pequeno que tem dentro do armário do quarto da sua filha que já morava longe. Olhou-se e viu na sua frente a velhice. As marcas em seu rosto que o tempo não escondia. Virou um velho solitário. Não que um dia tivesse sido muito diferente. Sua solidão sempre foi companheira. Esteve presente desde a infância. Olhando pro quarto de sua menina, que costumava ser tão misteriosa quanto Greta Garbo, pensou se ela também se sentia sozinha. Olhou pro cachorro, já quietinho no canto, dormindo sozinho. A solidão estava em cada canto, a cada passo que dava. Não poderia nunca completar ninguém assim. Seria impossível ajudar sua filha ou seu cão. Ao se aproximar de qualquer pessoa, sentia que inspirava ainda mais solidão. Resolveu então se completar sozinho. E o que fazia, nesses momentos, era colocar um dvd e assistir um filme antigo com Bogart. Preferia os clássicos.
Dormia abraçado com Barbara O'Neil, murmurando canções no seu ouvido. Ia para o trabalho cedo, e resolveu não reclamar para não aborrecer Vivien Leigh, que hoje andava a seu lado. Ela deu-lhe um beijo antes de sair do carro. Ele sorriu. Decidiu ligar para sua filha e convidá-la para viajar mais uma vez à Paris. Queria revisitar o Moulin Rouge. Queria comer no café de Amélie Poulain. Queria passear na cidade como Cinderela. Ver a cidade as escondidas, e conhecer alguém excitante. Encontrar Audrey Hepburn pequena fugindo da sua vida da realeza. Queria... acima de tudo, uma história. Nem que ele tivesse que interpretar dentro dela todos os seus personagens.

domingo, 6 de junho de 2010

Lua e Sol.

Com os olhos marejados de lágrimas, Alice resolveu falar sobre os pensamentos que passeavam dentro de si.
-É que... Pedro, ouço tanto falar sobre o brilho da lua. A luz do luar que vem sempre em meio ao breu. Perguntei a mim mesma se prefiro a lua ao sol... E respondi imediatamente que sim. A luz da lua traz mistério... Mas por mais que seja a única luz que nos ilumina durante a noite, o que não percebemos é que a luz da lua é a mesma luz do sol... Só que disfarçada. Acredito que a lua está para a paixão, assim como o sol está para a felicidade. O amor surge quando, depois de um tempo com o brilho da lua a noite, tentamos virar nosso pescoço e avistar o sol. Pode perder o misticismo, e tudo fica mais direto e claro. O medo que as pessoas sentem é de que a verdade não seja tão agradável. Porque o sol também pode queimar a epiderme e enlouquecer as pessoas, se elas não tiverem qualquer tipo de proteção. Mas também, não é confiável continuar com a cabeça virada a lua... Suas mudanças de fases, apesar de previsíveis, são súbitas.
-Acho que há mais calor na paixão do que no amor, Alice...
-Ah, as pessoas só dizem isso porque as paixões costumam aparecer no frio da noite. E é uma luz desconhecida e única a iluminar a escuridão durante aquele momento. Isso instiga tanto, que as pessoas se confundem. Mas como eu disse, a lua tem fases. E tem fases de todos os lados. Por mais forte que seja, ela some. Pode até voltar. Mas agora, sumiu de mim. Nem vejo mais graça no seu brilho. Para falar bem a verdade... morro de inveja de quem já conseguiu descobrir a luz do sol.

-Você se contradisse, eu acho... Afinal, quer a lua ou o sol?
-Ah, Pedro... Quero os dois, assim... divididos durante as 24 horas da minha vida.

(A lua nunca emitiu luz alguma. A paixão então é só ilusão. E o desejo é, na verdade, uma vontade forte de ver o sol nascer - mesmo que mais tarde anoiteça)

terça-feira, 1 de junho de 2010

Um jardim para uma amizade.

Seu amigo sempre fazia assim: Segurava sua mão e apertava com força. Uma força sólida, cheia de energia. Ela se sentia sempre bem com a aspereza da mão dele, e com a força. Ele a puxava para longe e contava a ela sobre a chuva. Aquela chuva fininha que caía àquela tarde. Cada pingo de chuva, nesses momentos, ganhava novo significado. Eram como os flocos de neve dos desenhos. Ela conseguia ver a olho nu todos os detalhes daquela mínima partícula d'água.
Ele olhava pra ela e via no reflexo dos seus olhos um jardim imenso onde sabia estar construindo uma grande amizade. E então continuavam conversando. Conversavam sobre decepções que ambos tinham. E conversavam sobre o que infelizmente acabavam esperando das outras pessoas. Conversavam principalmente sobre coisas um do outro. Porém nunca sobre algo dos dois; até porque não tinham nada a dizer. Eram almas distantes que se juntavam ao se encontrar. Entediam-se. Conseguiam, ambos, ver e entender o que diziam. Estavam lúcidos. Estavam incrivelmente lúcidos. Enxergavam a realidade claramente, com a ajuda um do outro. Estavam tão cheios de lucidez, que encontravam metáforas para disfarçá-la. Para deixar as coisas mais bonitas.
Aquele aperto de mão e toda a compreensão que existia entre os dois deixava-a calma e mais tranquila. E aí só desejava que a chuva não aumentasse, porque tempestades costumam destruir jardins. Mas aquela chuvinha era mais uma garoa passageira, que por enquanto só ajudava a regar as flores.

Que bom - dizia ela baixinho com o olhar.