quinta-feira, 20 de agosto de 2009

À Alice pertenço, e ela à mim.

Vontade de se sentir integrada sempre foi a única coisa que nunca lhe faltou. À Alice, sempre faltou tudo. Nunca tinha dinheiro suficiente, conhecimento suficiente, talento suficiente... Faltava-lhe contentamento. Faltava-lhe inclusive alegria e tristeza. E talvez por nunca ter aprendido essa coisa de sentimentos e estados de humor muito bem, faltava-lhe até a saudade que essa falta poderia causar em alguma outra pessoa. E para o mal de Alice, o que mais lhe faltava era amor, dela e para ela. Falta não sentia. Pelo menos era o que parecia.
Vontade de fazer parte. Ela gostaria de olhar pro mundo e se sentir uma peça do quebra cabeça. Ela pensava que todos os outros pareciam ser tão essenciais...

Talvez um pouco de inveja? Talvez... Mas eu, pessoalmente, não achava que podia ser isso. Eu com meus sentimentos a flor da pele, bem diferente dela, tentava analisá-la. Achava-a incrível. Como podia? Aquela mulher tão atraente, pelo menos para mim, ser assim tão distante? Eu várias vezes duvidava da sua existência. Mas como? Eu sempre a encontrava, em tudo que é canto, não importava onde ou quando. Nem sei se algum dia ela se deu conta da minha presença, talvez lhe faltasse também percepção. Enfim, eu a observava como se ela pertencesse a mim. Incrível como a gente é capaz de criar esses sentimentos possessivos dentro da gente. Quero dizer, a gente, menos ela. Alice não podia ser possessiva, pois a ela nada pertencia.

Eu a observava com pressa de compreendê-la. Mas de nada adiantava. É claro que ela, sendo Alice, nunca facilitou minha busca. E se facilitasse, eu não estaria mais a procura, se o que me faz ir atrás é justamente essa paixão pela impossível esperança de completar a tarefa. Percebo-me louca correndo atrás de alguém que nem mesmo me vê. Ela some por uns tempos, e quando me dou conta me sinto tão culpada... Como se de certa forma ela sentisse falta da minha preocupação, do meu olhar. Será? Será que consegui que ela sentisse minha falta? Ora, mas quem sumiu foi ela! Como alguém que nada tem, pode dar tanta coisa a um outro alguém? Como será que ela consegue me dar tantos presentes... Essa vontade de viver nem que seja pela graça do mistério, nem que seja só por ela.

Ela conseguiu o que queria, mesmo que tivesse sido inconscientemente, ela conseguiu. Agora ela tinha um papel indispensável para mim, já não imaginava minha vida sem ela. Não a amava. Necessitava. A simples existência dela era que me mantia em pé. E pensei em revelar-lhe que encontrei seu papel indispensável, sua importância em todo o quebra-cabeça, que por mais egoísta que possa parecer, era a minha própria existência. Mas não, percebi que se o fizesse, estaria destruindo sua busca, que era como a minha. E se fosse tão forte quanto, ela poderia até cair, como eu cairia. E como também cairia, caso ela caísse. Mas nada em mim tira a satisfação de vê-la com seu desejo cumprido, por mais ignorante que ainda a quisesse manter. Obrigaria-me a tê-la sempre comigo, pois me senti também responsável por sua vida como ela se tornou pra mim. Quanto a mim, e o resto da minha vida... Existo? Bom, o que posso dizer? Criei-me inteira para salvá-la.

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